Este texto é uma homenagem à alma feminina de todo ser humano.
Há muitos e muitos séculos havia uma jovem de dezoito anos que vivia em uma enorme aldeia.
Era órfã de mãe e tinha sete irmãs e três irmãos, todos mais velhos que ela.
Desde a mais tenra idade aprendera com o pai a manipular a energia das ervas e, com o passar do tempo, passou a desenvolver esta atividade com maestria. Sabia utilizar a energia das ervas com qualquer finalidade: banhos, chás, ungüentos, fumos e limpeza energética.
Em termos físicos pode-se dizer que ela não era nenhuma beldade, mas sua simpatia, seus cabelos negros e sedosos, seus enormes olhos esverdeados e seu intenso magnetismo pessoal eram suficientes para torná-la uma mulher inebriante.
Mesmo, ainda, sendo tão jovem a sua fama de curandeira já havia se espalhado por longas distâncias e até mesmo membros de aldeias distantes vinham se consultar com ela.
Entretanto, apesar de seu precioso dom, Indaiara não se sentia feliz. A causa de sua infelicidade era o fato de ainda não ter encontrado o amor.
Indaiara possuía uma visão idealista do amor: em seu modo de ver o amor era algo que, uma vez encontrado, traria a felicidade eterna não importando quais situações pessoais estivesse passando em sua vida tais como fome, enfermidades, etc.
Na realidade, ela estava muito preocupada pelo fato do tempo estar passando (era comum naquelas épocas as mulheres contraírem laços matrimoniais com no máximo quinze anos) e ela ainda não ter encontrado o idealizado amor.
Ela já havia sido cortejada anteriormente e convidada a ser casar por pelo menos meia dúzia de vezes, mas como não via nestes pretendentes a figura do amor, acabara declinando de todos os convites. Suas irmãs, todas casadas, ainda procuravam conversar com ela tentando explicar o fato de que, muitas vezes, o afeto acaba vindo com o tempo, mas ela dizia que não queria afeto e sim amor.
Mas o tempo foi passando e ela já aos dezoito anos ainda não havia encontrado o amor e este fato, muitas vezes, provocava em Indaiara uma tristeza tão intensa que ela sentia vontade de dar um fim à própria vida.
O tempo correu três anos e Indaiara já não utilizava o seu dom de curar através das ervas com a mesma satisfação, alegria e prazer de antes. Não agüentando mais a sua própria frustração por ainda não ter encontrado o amor ela, aproveitando o momento das trocas de mercadorias entre sua tribo e os homens de pele branca conhecidos como cara-pálidas, acabou se infiltrando dentro de uma embarcação.
O capitão daquela embarcação ao encontrá-la ainda tentou dissuadi-la e convence-la a retornar para sua tribo, mas ela com seu jeito faceiro e sedutor conseguiu faze-lo desistir de seu intento prometendo que faria tudo que ele quisesse e se insinuando com intenções claramente sensuais.
Indaiara não sabia o porquê de ela ter agido desta forma, mas tinha o propósito firme de querer conhecer outras partes do mundo e descobrir, por conta própria, se nelas acabaria encontrando o tão idealizado amor.
Indaiara era o braço direito de seu pai e seu motivo de maior orgulho por que fôra a única de suas filhas que se interessara pelo trabalho com as ervas e é desnecessário dizer que, seja pela idade avançada ou pelo desgosto do desaparecimento dela, alguns poucos meses depois de sua fuga ele veio a desencarnar.
Inclusive, na mesma noite em que desencarnou o seu pai veio a ter com ela no momento do sono físico para dizer que não poderia alcançar a morada de seus ancestrais sem rever, ainda que fosse por pelo menos uma única vez, a sua filha querida. Indaiara, inclusive, assustou-se tão imensamente com este sonho que acabou por perder o sono pelo resto da noite.
Na realidade, este não era o único motivo de sua insônia: Indaiara ainda não sabia, mas estava grávida de cinco meses e os enjôos conseqüentes desta, principalmente no período noturno, também estavam contribuindo muito para sua insônia.
Quando estava com sete meses de gestação Indaiara encontrava-se imensamente triste por não saber o que fazer diante daquela situação, pois faltavam poucos dias para a embarcação aportar em uma terra que futuramente seria conhecida como Espanha, e ela ter a convicção plena de que não poderia ficar com a criança naquele momento por acreditar que não conseguiria lhe ofertar de forma plena um sentimento que ela mesma ainda não havia conhecido: o amor.
Conversou, então, com o pai da criança, que era o capitão do barco, e ao expor suas incertezas ele, um homem duro e frio,
riu cruelmente da aflição dela e depois explicou que se ela não quisesse filhos que não deveria nem ter entrado no barco e que se ela houvesse retornado para sua aldeia, quando ele solicitou a ela que assim procedesse, ela também não estaria grávida.
Disse ainda que se ela não quisesse pagar por sua passagem para conhecer novas terras através do sexo ela também não estaria nessa situação. E somente após manifestar as suas opiniões foi que ele lhe pediu que não se preocupasse com o bebê porque este seria vendido como escravo.
Indaiara não esboçou uma reação sequer, com exceção do fato de clamar a ele que lhe permitisse deixar pelo menos uma lembrancinha para a criança a fim de que esta, de alguma forma, nunca esquecesse de sua mãe. O capitão aquiesceu ao pedido sem colocar nenhum empecilho e Indaiara ficou a pensar que presente ofertaria à sua filha.
Ao aportar no cais, o capitão da embarcação levou Indaiara grávida para casa e tornou-a cativa sua até o nascimento do bebê.
Na noite que precedeu o nascimento do bebê, Indaiara teve um sonho simbólico onde uma dama que irradiava intensamente uma claridade na cor rósea pedia que marcasse o braço direito de sua filha, como era costume em sua aldeia, com o símbolo de sua descendência.
Indaiara despertara no dia seguinte com as contrações do parto que, por sua vez, aconteceu naturalmente.
Após o nascimento da criança o capitão quis que Indaiara fosse imediatamente embora de sua residência, mas ela, de tanto implorar, conseguiu arranjar sua permanência na casa por mais alguns dias com o argumento de que seu leite seria de extrema importância para a sobrevivência da criança pelo menos nas primeiras semanas.
Um mês e meio após esta conversa, na calada da noite, Indaiara invadiu sorrateiramente o quarto do bebê e marcou o braço direito dela, ainda tão pequenino, com o símbolo de uma meia lua. Com esta atitude a criança começou a chorar intensamente e Indaiara teve que fugir daquela residência para não ser castigada ou até mesmo morta; a marca de meia-lua no braço de sua filha ficaria como um presente que o próprio capitão houvera consentido que ela lhe ofertasse.
Mas, por favor, não pensem que Indaiara sentira terrivelmente em seus sentimentos pelo fato de ter abandonado sua filha!!Indaiara, meus irmãos, queria encontrar o tão idealizado amor e, em suas idéias, somente após o acontecimento deste fato, ela teria condições de amar a sua filha ou qualquer pessoa da forma que estes realmente merecessem.
O capitão da embarcação ficou enormemente aborrecido com a marca que Indaiara deixara no bebê porque, ao contrário do que havia dito a ela na embarcação, ele não venderia o bebê como escravo; e esta mudança em sua atitude ocorrera no momento exato em que a criança veio ao mundo e ele por ela apaixonou-se perdidamente à primeira vista.
Manuela, este foi o nome que o capitão resolveu colocar em sua filha, crescia em beleza, estatura, inteligência e formosura a cada ano que se passava, entretanto uma pergunta jamais saia de sua cabeça apesar dos esforços enormes com que seu pai fazia para que isto acontecesse: quem era sua mãe?
Ao completar sete anos de idade seu pai teve que castiga-la brutalmente quando ela pedira a ele que lhe desse de presente a identidade de sua mãe. Este fato fez com que ela nunca mais perguntasse a seu pai qualquer fato relacionado à sua genitora, entretanto, ela nunca retirou esta dúvida de seu coração; aliás, esta dúvida aumentava terrivelmente a cada dia.
No dia em que completaria dezoito anos de idade Manuela teve a idéia de fugir de casa e deixar um bilhete dizendo que só retornaria ao lar se o seu pai estivesse disposto a falar sobre o paradeiro de sua mãe, pois Mercedes, a sua velha ama-de-leite, ficaria com a incumbência de observar os efeitos de sua partida na vida de seu pai e de levá-lo até ela, como se a tivesse visto casualmente, caso este resolvesse contar-lhe a verdade.
O coração do pai de Manuela, capitão de uma embarcação e rico mercador, ficara em pedaços com seu desaparecimento, mas o que ele não imaginava era que ela estivesse tão próxima de si e vivendo no sótão de sua própria residência.
Três dias após a “fuga” de Manuela, o seu pai e nove dos dez capangas que tomavam conta de sua fazenda foram fortemente armados ao encontro dos prováveis raptores de sua filha, segundo pista que recebera.
Apenas um capanga ficou de tocaia para tomar conta da residência de seu chefe e como já passava das vinte horas Manuela resolvera descer do sótão e ir de encontro a Mercedes para tentar descobrir o que estava acontecendo. Mercedes, por sua vez, contou a ela tudo o que ocorrera e Manuela, temendo pela vida de seu pai, pela primeira vez, arrependeu-se do plano que arquitetara.
Enquanto as duas conversavam ouviram o estampido de um tiro e, assustadas, foram olhar pela cortina da sala para ver o que estava acontecendo e o que viram não foi nada agradável: os homens de Alfredo, terrível inimigo de seu pai, aproveitavam a pouca vigilância da casa e a estavam invadindo para concretizar a ameaça que este fizera ao seu genitor meses atrás de destruir-lhe a casa e violentar, para depois matar, toda sua família.
Mercedes e Manuela tentaram escapar, mas foi inútil, pois em poucos instantes elas foram capturadas, amordaçadas e colocadas em uma carruagem que tomava a direção de uma extensa floresta.
Manuela ainda fez um tremendo esforço para levantar sua cabeça e olhar para trás, mas o choque ao ver a residência onde nascera e fôra criada ardendo em chamas foi tão intenso que ela desmaiou.
Assim que despertou Manuela viu uma cena que a deixou horrorizada: todos os seus algozes, cerca de quinze homens incluindo o próprio Alfredo, revezavam-se como animais na violação do corpo de sua ama-de-leite, uma senhora de quase setenta anos. Manuela gritava e procurava agredir os seus raptores verbalmente, mas calou-se em um silêncio estarrecedor quando eles lhe disseram que não se preocupasse porque ela seria a próxima a ser “devorada”.
Lágrimas pesadas e copiosas rolavam por sua face quando ela viu Mercedes cair morta no chão e os homens ensandecidos virem em sua direção, entretanto, antes que começassem a praticar os seus atos de selvageria, os algozes de Manuela observaram um homem a galopar com toda a velocidade em sua direção; assim foi que saíram completamente nus a correrem para pegar as suas armas, mas desistiram ao verificarem que o cavaleiro em questão também fazia parte do bando.
Ofereceram, então, uma boa dose de vinho ao seu comparsa e disseram que ele chegara numa hora boa porque haviam deixado o “prato principal” para o final. Ele, assim, olhou na direção de Manuela e passou a língua vagarosa e repetidas vezes pelos lábios num claro sinal de aprovação a satisfação vindoura de seu apetite sexual desequilibrado.
Mas os seus comparsas chamaram-no de volta a realidade quando perguntaram como havia sido a armadilha.
Só foi escutar esta última palavra para Ricardo, este era o nome dele, começar a narrar toda a arapuca sangrenta: aconteceu tudo como esperávamos. O capitão, paizinho desta coisinha saborosa que está à nossa frente, e os seus homens ficaram loucos quando souberam da pista falsa, plantada por nós, de que sua filha estaria sendo mantida como refém na companhia de quatro malfeitores em uma velha casa abandonada e quando nós ficamos sabendo que hoje ele iria até lá com seus homens no intuito de resgatá-la foi muito fácil armar uma tocaia e acabar com a vida de todos no coração da floresta; e vocês, cumpriram com o combinado?
— Mas é claro, respondeu Alfredo, matamos o capanga que vigiava a residência do capitão, incendiamos toda a casa e matamos a negra maldita que vivia naquela casa como se fosse branca.
— Então vamos completar o serviço, propôs Ricardo?
Desnecessário seria dizer que todos concordaram aos urros e partiram como animais na direção de Manuela. Esta, por sua vez, ao ouvir toda a trama macabra e descobrir que, além de seu antigo lar não existir mais, não saber o paradeiro de sua mãe, ver sua ama-de-leite e melhor amiga violentada e assassinada, o seu pai também estava morto perdera, como por encanto, o interesse por sua própria vida.
Alfredo, Ricardo e todos os demais malfeitores usufruíram dos prazeres de violentar um corpo imaculado e puro, mas que também, por todos os motivos expostos, encontrava-se inerte como se fosse um boneco.
Os capangas revezavam-se em seu sexo como se fossem animais possuídos pelos mais animalescos Entes trevosos até o momento em que Manuela, sentindo uma terrível falta de ar e um aperto no coração, desmaiou como se estivesse morta.
Ao se verem diante desta situação e julgando que Manuela estava morta os capangas, terrivelmente contrariados pela interrupção em seu momento de prazer, arrastaram o seu corpo até as imediações de um precipício e o deixaram lá como banquete a fortuitos animais famintos.
Somente após tomarem estas providências foi que os malfeitores foram embora.
Por volta das quatro horas da manhã, sentindo uma terrível dor em seu sexo e sem a mínima disposição para continuar vivendo Manuela procurou levantar-se e, andando vagarosamente, devido às dores em seu corpo, jogar-se precipício abaixo.
Faltavam aproximadamente dez passos para chegar à beira do precipício quando os gritos de uma mulher chamaram sua atenção e fizeram com que olhasse para trás: era uma mulher com o corpo marcado precocemente pelas marcas do tempo e que vestia-se como se fosse uma prostituta.
Manuela, assustada, pensando que se tratava de alguma ladra deu, de costas, mais dois passos em direção ao precipício.
— Por favor, pare!! Eu não vou fazer-lhe nada de mal, disse a mulher mal-vestida.
— Como assim não vai me fazer mal? Você é uma prostituta!
— Sou uma prostituta, mas não sou malfeitora!!!!
— Até parece que existe diferença.
— Escute moça, estou vendo que você está com vestes rasgadas e ensangüentadas; penso que você deve ter acabado de passar por uma situação terrível e que por isso é que deve estar emocionalmente tão abalada. Estou certa?
— Sim, você está certa. Vários homens defloraram meu corpo e minha honra como se fossem animais.
— Eu, como ninguém, posso precisar o tamanho de sua dor, mas creia-me: isto não é motivo para você tirar sua própria vida.
— Concordo com você.
— Mas tenho a impressão que você estava a caminhar para a beira do precipício com intenção de se jogar daqui de cima.
— Eu realmente quero fazer isso que você disse, mas não porque me violentaram e sim porque acabaram com todo o meu amor! Eu não tenho mais motivos para viver!
— Como assim acabaram com todo o seu amor?
— Os mesmos animais que me violentaram também destruíram o meu lar, violentaram e mataram minha melhor amiga e assassinaram o meu pai depois que lhe armaram uma armadilha. Diga senhora prostituta, e Manuela dissera essa frase em tom irônico, como poderia querer viver se não tenho ninguém mais para amar, se não tenho mais amor?
— Moça, acredite quando eu lhe digo que não sei onde está o amor, mas que sei que certas atitudes que tomamos na vida muitas vezes podem eliminar toda e qualquer possibilidade de o encontrarmos um dia.
Manuela notou que a mulher a sua frente, apesar de ser de vida fácil, tinha uma estranha sabedoria e, somente por causa desta sua observação, foi que resolveu lhe perguntar:
— Porque você está me dizendo isto?
— Porque há quase vinte anos acho que tive o amor bem próximo a mim, entretanto por não conseguir enxerga-lo, não lutei com todas as minhas forças para que não o levassem de mim.
— Você está falando de quem? Um amante?
— Não. Estou falando de minha filhinha.
E, dizendo esta frase, a prostituta desandou a chorar. Chorava com um pranto tão profundo e sentido que Manuela resolveu dela se aproximar.
— Mas o que foi que houve com sua filhinha que seja assim tão irreversível? Você não quer me contar?
A prostituta olhou, então, firme nos olhos de Manuela para só depois responder:
— Só se você sair de vez de perto deste precipício!
— Combinado.
Somente após encontrarem um tronco de árvore caído ao chão para se assentarem foi que a prostituta retomou o diálogo:
— Antes de lhe contar um pedaço de minha história, você poderia me dizer o seu nome?
— Manuela.
— Pois bem Manuela, minha história é a seguinte:
Há quase duas décadas, eu havia acabado de fugir da casa onde fui recebida neste país com o intuito de procurar o verdadeiro amor. Assim é que exatamente nesta época você poderia me encontrar andando perdida pelas feiras em busca de qualquer alimento que pudesse saciar a minha fome.
— Mas e sua filha? Onde ela entra nesta sua história? Não estou entendendo!
— Acalme-se Manuela, minha história começa exatamente no ponto em que eu havia acabado de perder a minha filha.
— Perder sua filha? Porque isto aconteceu?
— Porque eu havia acabado de chegar neste país e não podia fugir com ela nos braços sem ter como nos manter.
— Mas você disse que se arrepende, que seu amor é sua filhinha.
— Eu me arrependo hoje porque a vida ensina muita coisa, mas não me arrependi há quase vinte anos.
— Por favor, prossiga! Creio que estou interrompendo sua narrativa!
A prostituta deixou transparecer o esboço de um sorriso em sua face e depois continuou a sua história:
Então Manuela como eu estava lhe dizendo, há vinte anos eu havia acabado de chegar neste país e acabara de abandonar a minha filha.
Estava morrendo de fome e aproveitei que era dia de feira para ver se conseguia algum alimento. O tempo passava, a minha fome só aumentava e eu nada de conseguir um alimento, até que em uma barraca que vendia queijos e biscoitos caseiros eu percebi que um homem não parava de cobiçar o meu corpo.
Procurei me aproveitar da situação e lhe pedi um pouco de biscoitos ao que ele me respondeu que naquele dia iria me dar alguns biscoitos, mas que se algum outro dia eu quisesse mais alguns eu deveria pagar por eles.
Respondi então ao Carlos, este era o nome dele, que não tinha emprego e ele pediu que às oito horas da noite, em ponto, eu estivesse dentro da taverna, de propriedade dele, no centro daquela cidade e fosse conversar com ele.
Assim eu fiz e posso dizer que não me assustei quando ele me fez a proposta de ser prostituta em troca de um bom trocado. Eu sabia que faria muito sucesso entre os homens por ser estrangeira e, naturalmente, ter um biótipo bem diferente das mulheres deste país.
Posso dizer que realmente estava com a razão porque os homens faziam fila para ter alguns momentos comigo. Era com esse dinheiro que eu pagava alimentação, roupas e o aluguel de onde morava que, por sua vez, era a taberna onde eu tinha os meus encontros.
A vida até que financeiramente não estava tão ruim para mim, acontece que pelo lado emocional eu não poderia responder a mesma coisa, pois havia saído de minha terra em busca do amor e, apesar de já estar vivendo neste país há dez anos, ainda não o havia encontrado.
O tempo foi passando e eu fiquei com uma saudade terrível de minha terra; foi quando eu resolvi começar a juntar dinheiro para futuramente comprar passagem numa embarcação que me levasse de volta a ela.
Posso dizer até mesmo que neste meu trabalho como prostituta eu tive uma relativa dose de sorte porque nunca apanhei ou fui maltratada por cliente algum. Mais de uma dúzia deles, inclusive, pediram que largasse essa vida para ir viver com eles, entretanto como eu não tinha planos de continuar vivendo neste país, declinava dos convites.
Juntei dinheiro por cinco anos e já estava me preparando para comprar a passagem de volta para minha terra natal quando numa noite o bandido do Carlos ao escutar os meus planos, com medo de perder a clientela devido ao grande número de tavernas concorrentes que foram abrindo as portas ao longo dos anos, chamou as autoridades competentes até a sua taverna e acusou-me formalmente de roubo dizendo que todo o dinheiro que eu juntara ao longo de cinco anos dentro de uma mala atrás do guarda-roupa era dele e que eu estava pretendendo fugir do país com todo aquele dinheiro.
As autoridades, obviamente, não iriam dar crédito a uma estrangeira e eu, infelizmente, fiquei sem meu dinheiro e presa por três anos até a noite de hoje.
Também posso dizer que a vida de presidiária não foi de todo tão mal assim, pois foi lá dentro que eu pude reencontrar dentro de mim uma parte que parecia perdida e recomeçar o meu trabalho com ervas.
Preparava banhos, chás, e ungüentos tão eficientes que muitas vezes até as próprias autoridades vinham me procurar em busca de socorro junto às ervas da natureza.
Manuela escutara toda a história da prostituta com muita atenção até que, não agüentando mais de curiosidade resolveu perguntar:
— Você é estrangeira e foi acusada pelas autoridades por roubo e tentativa de fuga, o que você fez para pegar uma pena de somente três anos?
— A minha pena não era de três anos.....
— ....mas então você fugiu!
— Não! Eu fui libertada.
— Como assim?
— Você me permite terminar a história?
— Prossiga, porque eu não estou conseguindo entender!
— Então me permita continuar:
Apesar de estar me sentindo útil na prisão, nada conseguia diminuir a minha decepção por ainda não haver encontrado o amor. Na verdade, eu havia desistido dele e de três meses para cá estava sentindo uma saudade profunda de minha filha. Nas últimas três semanas, por exemplo, eu sonhava praticamente todos os dias com minha filhinha ainda bebezinho sendo segura pelos meus braços e ninada por canções antigas de minha terra natal.
— Por quanto tempo você ficou com sua filha?
— Quarenta e cinco dias.
— E como são essas canções de sua terra?
A prostituta, mesmo sem entender o pedido de Manuela, começou a entoar uma canção que ela mais gostava de cantar para sua filha e, ao chegar ao seu término, buscou o olhar de Manuela e pôde observar que estava banhado em lágrimas, fez-lhe, assim, uma pergunta:
— Porque você chora Manuela?
— Porque esta canção, estranhamente, despertou em mim emoções que eu parecia não sentir a muito tempo. Você me desculpe pela infantilidade e, por favor, prossiga com sua história.
— A emoção equilibrada manifesta na forma de lágrimas não é sinal de infantilidade, mas sim de maturidade. Já no que diz respeito a minha história não se preocupe que ela já está quase no seu fim:
Sonhei tantas vezes com minha filha nesses últimos dias que, sei lá porque, comecei a ver estes sonhos como um sinal de que o amor que eu tanto procurei poderia estar na figura de minha filhinha.
Não conseguia retirar estes pensamentos de minhas idéias até que esta noite, há algumas horas, eu pus-me de joelhos ao chão e clamei ao Divino Criador que me perdoasse pela fraqueza de ter deixado a minha filha escapar de mim e que me permitisse, nem que fosse pela última vez, ao menos vê-la de longe fosse ela escrava em qualquer canto deste vasto mundo. Na verdade, Manuela, naquele momento de oração eu me comprometi com o Divino Criador a encontrá-la onde quer que esteja.
— Mas a sua filha era escrava?
— Até quando eu pude tê-la ao alcance de meus olhos ela não era escrava, entretanto o pai dela me disse que era só uma questão de tempo até
ganhar um bom dinheiro com ela no mercado de escravos.
— E o que aconteceu quando você terminou sua prece na prisão?
— Alguém que eu não via há muito tempo reapareceu para mim.
— Quem? A sua filha?
— Não. Uma dama que irradiava intensamente uma claridade na cor rósea.
— Quem?
— Não sei bem ao certo, mas eu acho que deve ser alguma enviada de uma Divindade que cultivamos em nossa terra natal.
— Divindade?
— Sim. A Divina Deusa das Cachoeiras.
— Tudo bem, mas o que aconteceu depois que ela apareceu?
— As portas da cela onde eu estava detida inexplicavelmente se abriram, os dois guardas que deveriam vigiá-la estavam dormindo e eu sai da cela e vim caminhando até aqui onde acabei por te encontrar.
— Mas e sua filha? Você fez uma prece a Deus se comprometendo a encontrá-la onde quer que estivesse, você não acha isso uma grande loucura?
— Não. Apenas penso que se fosse loucura a enviada da Divindade que eu cultuo não teria me libertado da prisão.
— Nisto você até tem razão, mas como você fará para encontrá-la?
— Não tenho a mínima idéia, mas Deus irá me guiar.
— Mas e esta Divindade que você cultua? Ela existe mesmo? Você a viu de verdade?
— Claro! Inclusive tem até uma parte de minha história que eu esqueci de lhe contar que é a seguinte: na noite que precedeu o nascimento de minha filha eu tive um sonho simbólico onde esta mesma dama que irradia intensamente uma claridade na cor rosa me pedia que marcasse o braço direito de minha filha, como era costume em minha aldeia, com o símbolo de minha descendência.
— E você, o que fez?
— Fiz o que a Divindade determinara a mim.
— O que? Você marcou a sua própria filha?
— Sim, mas foi com um símbolo pequenino e......
Manuela recusou-se a continuar ouvindo aquela história que não lhe parecia ter nem pé e nem cabeça e levantou-se do tronco onde estava sentada, entretanto, ao se levantar, deixou a mostra parte de seu braço direito que a lua cheia iluminou com tanta claridade que a prostituta não teve como refrear um grito de emoção e passou a tremer as mãos e a boca com uma emoção tão intensa que mal conseguia balbuciar corretamente as palavras:
— M-a-n- uela.... é v-ocê!!!!
— O que?
Procurando fazer um enorme esforço para conter a emoção, a prostituta também se levantou do tronco onde estava assentada e, procurando mostrar o braço direito na altura dos cotovelos, de um só fôlego disse à Manuela:
— Veja esta marca em meu braço!
Manuela olhou atenciosamente e também começou a tremer com emoção incontida ao perceber que aquela marca era idêntica a sua.
A prostituta, então, percebendo os efeitos de seu gesto na emoção de Manuela, procurou retomar o diálogo:
— Manuela, o meu nome é Indaiara e eu sou a sua mãe.
E, ao ouvir esta confissão, Manuela percebeu que ainda havia pelos menos mais um motivo para viver porque ainda havia mais uma pessoa para amar e, num frenesi emocional incontido correu de braços abertos ao encontro de Indaiara a lhe dizer:
— Mamãe! Mamãe! Minha Mãe, eu te amo!!!
— Eu também te amo minha filha, me perdoe!!!!
— Não há nada a perdoar minha mãe, nada!!!!
Após alguns minutos de intensa emotividade Manuela foi utilizando a sua extrema capacidade de raciocínio e disse a Indaiara:
— Mãe, meu Deus como é bom conhece-la finalmente!!!
— Também tenho esta mesma sensação minha filha, mas agora procure serenar as emoções e me diga tudo o que tenha para me dizer!
— Tudo bem! É o seguinte: temos que sair do país o mais rápido possível: você para não ser recapturada pelas autoridades e eu para não ser encontrada pelos homens que me violentaram.
— É verdade, mas como faremos isto?
— Sei onde meu pai guardava algumas barras de ouro e sei que apenas uma delas é plenamente suficiente para voltarmos para sua terra natal.
— Mas você faria isso? Abandonaria toda sua cultura e civilização para ir viver comigo?
— Claro! É como lhe disse mãe, nada mais me prende nesta terra onde, como já disse anteriormente, corro até mesmo risco de vida. Para falar a verdade, minha mãe, Deus e esta Divindade das Cachoeiras devem mesmo fazer questão que fiquemos juntas!
— Por que você diz isto?
— Você porque ao meu lado estará sempre próxima de parte deste amor que tanto procurou na vida e eu porque ao seu lado terei sempre um motivo a mais para viver.
— Que coisa mais linda Manuela!!!!
E as duas continuaram conversando e matando a saudade durante os sete meses que durou a viagem de volta à terra natal de Indaiara.
Assim que retornaram de volta a aldeia alguns de seus irmãos e irmãs não as receberam com bons olhos devido ao desgosto e tristeza tão intensos que ela provocara em seu pai com sua partida repentina causando, na interpretação destes, a morte dele.
Mas não há feridas que o tempo não cicatrize e é assim que vamos ver doze anos após o retorno de Indaiara, juntamente com a filha, para sua terra natal, a convivência plenamente harmoniosa entre todos os membros da aldeia.
Indaiara ensinara a Manuela todos os segredos no trato com as ervas e ela aprendera com tanto afinco que se tornou a sucessora natural de sua mãe na aldeia.
E é assim que vamos encontrar, cinco anos após todos estes eventos, Indaiara cozinhando o almoço ao mesmo tempo em que lágrimas gotejavam de seus olhos.
É importante que se diga que eram lágrimas provenientes da mais pura alegria por finalmente ter encontrado o amor na figura representativa de sua filha Manuela.
E foi no exato instante em que pensava desta forma que Indaiara viu mais uma vez a figura da enviada da Divindade das cachoeiras. Ela estava a lhe dizer que seus pensamentos estavam equivocados e que o verdadeiro amor, na realidade, estava dentro de um rio que distava dois quilômetros de onde ela estava.
Com intensa curiosidade, Indaiara caminhou a passos céleres em direção ao rio indicado. Quando se aproximou das margens do rio a enviada da Divindade das cachoeiras apareceu aos olhos de Indaiara pela última vez naquela sua encarnação e lhe disse:
— Olhe para dentro do rio e veja o amor que você tanto buscou em sua vida!
Indaiara olhou, olhou e olhou, mas a única coisa que via no rio era o reflexo de sua própria imagem.
Passado alguns instantes a enviada da Deusa das cachoeiras perguntou a Indaiara:
— E então, o que você viu?
— Sinceramente, eu só vi o reflexo de minha própria imagem.
— Então você realmente encontrou o amor!
— Como é?
— Isto mesmo que você acabou de ouvir: você acabou de encontrar aquilo que foi tão longe buscar, mas que estava aqui mesmo e onde quer que você fosse!
— Ainda não entendi.
— Você viu a sua imagem refletida na água e eu lhe disse que ela representa a resposta na sua busca pelo amor porque, na realidade, o amor está dentro de você mesmo.
— Que amor?
— O amor Divino ou você não sabia que todo ser humano é um templo vivo de Deus?
— Não, eu não sabia!
— Então nunca se esqueça de que qualquer ser humano, se não procurar descobrir e desenvolver a essência do amor Divino que carrega dentro de si, jamais virá a encontrá-lo exteriormente.
— Concordo certamente com a senhora, mas eu descobri o amor que tanto procurava na figura de minha filha.
— Engano seu, você só descobriu este amor por sua filha quando procurou encontrar a essência do amor Divino que habita dentro de ti através da realização diária de preces e do desenvolvimento da habilidade de praticar a caridade por meio do uso de ervas. Estou falando alguma mentira?
— Não. Então quer dizer que a minha Manuela não representa para mim a figura do amor?
— Não. Sua filha certamente representa para você a figura do amor, mas você só conseguiu encontrar o amor através desta representação quando buscou desenvolver o amor Divino através da caridade, está entendendo?
— Sim. Agora tudo clareou.
— Busque primeiramente a Deus e as virtudes que desenvolvem o amor Divino, pois somente assim outras coisas vos poderão ser agregadas, como por exemplo, o amor na forma de um filho, um homem, uma profissão, etc. Entendido?
— Sim senhora.
Dizem que Indaiara ficou extremamente feliz com a descoberta do local onde se encontra o amor: dentro de seu coração!!!
Indaiara também descobriu que, como desconfiara, a dama de coloração rósea era, de fato, uma enviada posicionada à direita da Divina Deusa das Cachoeiras.
Atualmente Indaiara também está a servir esta Divindade, à esquerda, como Senhora Pomba-gira Indaiara, sim, uma pomba-gira ligada à Deusa das Cachoeiras, mas atuando sob a irradiação da Deusa do Mar Sagrado, ou seja, uma pomba-gira cuja uma das atribuições é estimular a geração de sentimentos amorosos que, se vivenciados, podem aproximar os seres de suas essências Divinas e de Deus, o que significa dizer, uma Pomba-gira da Vida.
Manuela, atualmente, também serve a Divindade das Cachoeiras só que pela direita, trabalhando como uma preta-velha que não devo revelar o nome, mas que posso dizer que é um fato bastante conhecido um de seus pontos cantados revelar que ela “tem o segredo da lua”.
Quanto a mim, que estou a lhes narrar esta história, pouco importa a revelação de meu nome. Só o que posso e devo revelar é o fato de que, se você se encontra perdida e desesperada, querendo
encontrar um amor, clame por nosso auxílio, pela ajuda das guardiãs do amor fatoradas à vida porque, de acordo com seus merecimentos, poderemos estimulá-la a encontrar o verdadeiro amor, que é o amor pelas obras e virtudes que possam levá-las na direção Daquele que é dono e criador de todo o amor: O Divino Pai Olorum!
Somente por meio da vivência e prática deste Seu amor é que vocês poderão ter a possibilidade de verem agregados aos seus merecimentos outros tipos de amores e desfrutarem deles com plenitude.
Que Ele os abençoe e possa agregar em suas vidas, além do amor, divinos sentimentos que também podem levá-las até ele: justiça, lei, conhecimento, fé, evolução e vida.
Saravá ao amor que habita o íntimo de toda mulher!!!!!!
Saravá à essência feminina que existe dentro de cada homem!!!!!!
Saravá à energia do amor!!!!!!
Saravá à todas as pomba-giras!!!!!!
Saravá à todas as pomba-giras do Amor e da Vida!!!!!!!!!
Ass: Sra Bombogira Sete Rosas