Oxalá — Obatalá — Orixanlá — Oxalufã
Orixanlá cria a Terra
No começo, o mundo era todo pantanoso e cheio d’água,
um lugar inóspito, sem nenhuma serventia.
Acima dele havia o Céu, onde viviam Olorum e todos os orixás,
que às vezes desciam para brincar nos pântanos insalubres.
Desciam por teias de aranha penduradas no vazio.
Ainda não havia terra firme, nem o homem existia.
Um dia Olorum chamou à sua presença Orixanlá, o Grande Orixá.
Disse-lhe que queria criar terra firme lá embaixo
e pediu-lhe que realizasse tal tarefa.
Para a missão, deu-lhe uma concha marinha com terra,
uma pomba e uma galinha com pés de cinco dedos.
Orixanlá desceu ao pântano e depositou a terra da concha.
Sobre a terra pôs a pomba e a galinha
e ambas começaram a ciscar.
Foram assim espalhando a terra que viera na concha
até que terra firme se formou por toda parte.
Orixanlá voltou a Olorum e relatou-lhe o sucedido.
Olorum enviou um camaleão para inspecionar a obra de Oxalá
e ele não pôde andar sobre o solo que ainda não era firme.
O camaleão voltou dizendo que a Terra era ampla,
mas ainda não suficientemente seca.
Numa segunda viagem o camaleão trouxe a notícia
de que a Terra era ampla e suficientemente sólida,
podendo-se agora viver em sua superfície.
O lugar mais tarde foi chamado Ifé, que quer dizer ampla morada.
mitologia dos orixás / 502
Depois Olorum mandou Orixanlá de volta à Terra
para plantar árvores e dar alimentos e riquezas ao homem.
E veio a chuva para regar as árvores.
Foi assim que tudo começou.
Foi ali, em Ifé, durante uma semana de quatro dias,
que Orixá Nlá criou o mundo e tudo o que existe nele.
[285]
Obatalá cria o homem
Num tempo em que o mundo era apenas a imaginação de Olodumare,
só existia o infinito firmamento e abaixo dele a imensidão do mar.
Olorum, o Senhor do Céu, e Olocum, a Dona dos Oceanos,
tinham a mesma idade e compartilhavam
os segredos do que já existia e ainda existiria.
Olorum e Olocum tiveram dois filhos:
Orixalá, o primogênito, também chamado Obatalá,
e Odudua, o mais novo.
Olorum-Olodumare encarregou Obatalá,
o Senhor do Pano Branco, de criar o mundo.
oxalá / 503
Deu-lhe poderes para isso.
Obatalá foi consultar Orunmilá,
que lhe recomendou fazer oferendas para ter sucesso na missão.
Mas Obatalá não levou a sério as prescrições de Orunmilá,
pois acreditava somente em seus próprios poderes.
Odudua observava tudo atentamente
e naquele dia também consultou Orunmilá.
Orunmilá assegurou a Odudua
que, se ele oferecesse os sacrifícios prescritos,
seria o chefe do mundo que estava para ser criado.
A oferenda consistia em quatrocentas mil correntes,
uma galinha com pés de cinco dedos,
um pombo e um camaleão,
além de quatrocentos mil búzios.
Odudua fez as oferendas.
Chegado o dia da criação do mundo,
Obatalá se pôs a caminho até a fronteira do além,
onde Exu é o guardião.
Obatalá não fez as oferendas nesse lugar,
como estava prescrito.
Exu ficou muito magoado com a insolência
e usou seus poderes para se vingar de Oxalá.
Então uma grande sede começou a atormentar Obatalá.
Obatalá aproximou-se de uma palmeira
e tocou seu tronco com seu comprido bastão.
Da palmeira jorrou vinho em abundância
e Obatalá bebeu do vinho até embriagar-se.
Ficou completamente bêbado e adormeceu na estrada,
à sombra da palmeira de dendê.
Ninguém ousaria despertar Obatalá.
mitologia dos orixás / 504
Odudua tudo acompanhava.
Quando certificou-se do sono de Oxalá,
Odudua apanhou o saco da criação
que fora dado a Obatalá por Olorum.
Odudua foi a Olodumare e lhe contou o ocorrido.
Olodumare viu o saco da criação em poder de Odudua
e confiou a ele a criação do mundo.
Com as quatrocentas mil correntes Odudua fez uma só
e por ela desceu até a superfície de ocum, o mar.
Sobre as águas sem fim, abriu o saco da criação
e deixou cair um montículo de terra.
Soltou a galinha de cinco dedos
e ela voou sobre o montículo, pondo-se a ciscá-lo.
A galinha espalhou a terra na superfície da água.
Odudua exclamou na sua língua: “Ilè nfé!”,
que é o mesmo que dizer “A Terra se expande!”,
frase que depois deu nome à cidade de Ifé,
cidade que está exatamente no lugar onde Odudua fez o mundo.
Em seguida Odudua apanhou o camaleão
e fez com que ele caminhasse naquela superfície,
demonstrando assim a firmeza do lugar.
Obatalá continuava adormecido.
Odudua partiu para a Terra para ser seu dono.
Então, Obatalá despertou e tomou conhecimento do ocorrido.
Voltou a Olodumare contando sua história.
Olodumare disse:
“O mundo já está criado.
Perdeste uma grande oportunidade”.
Para castigá-lo, Olodumare proibiu Obatalá
de beber vinho de palma para sempre,
ele e todos os seus descendentes.
oxalá / 505
Mas a missão não estava ainda completa
e Olodumare deu outra dádiva a Obatalá:
a criação de todos os seres vivos que habitariam a Terra.
E assim Obatalá criou todos os seres vivos
e criou o homem e criou a mulher.
Obatalá modelou em barro os seres humanos
e o sopro de Olodumare os animou.
O mundo agora se completara.
E todos louvaram Obatalá.
[286]
Obatalá cria Icu, a Morte
Quando o mundo foi criado,
coube a Obatalá a criação do homem.
O homem foi criado e povoou a Terra.
Cada natureza da Terra, cada mistério e segredo,
foi tudo governado pelos orixás.
Com atenção e oferendas aos orixás,
tudo o homem conquistava.
Mas os seres humanos começaram a se imaginar
com os poderes que eram próprios dos orixás.
Os homens deixaram de alimentar as divindades.
Os homens, imortais que eram,
pensavam em si mesmos como deuses.
Não precisavam de outros deuses.
Cansado dos desmandos dos humanos,
a quem criara na origem do mundo,
Obatalá decidiu viver com os orixás no espaço sagrado
que fica entre o Aiê, a Terra, e o Orum, o Céu.
mitologia dos orixás / 506
E Obatalá decidiu que os homens deveriam morrer;
cada um num certo tempo, numa certa hora.
Então Obatalá criou Icu, a Morte.
E a encarregou de fazer morrer todos os humanos.
Obatalá impôs, contudo, à morte Icu uma condição:
só Olodumare podia decidir a hora de morrer de cada homem.
A Morte leva, mas a Morte não decide a hora de morrer.
O mistério maior pertence exclusivamente a Olorum.
[287]
Obatalá provoca a inveja e é feito em mil pedaços
Obatalá foi ao mercado e comprou um escravo.
Pôs o escravo trabalhando em sua terra.
O escravo trabalhou duro e a terra floresceu.
Obatalá ficou feliz.
Todos ficaram com inveja da plantação de Obatalá.
Um dia Obatalá estava caminhando por suas terras
quando o escravo, subornado pelos invejosos,
rolou uma imensa pedra sobre ele e o esmagou.
A pedra esmagou Obatalá
e seu corpo foi feito em mil pedaços.
Olorum viu tudo isso e, descontente,
mandou Exu recolher os mil pedaços de Oxalá.
Exu recolheu de Obatalá todos os pedaços que encontrou,
mas não pôde encontrar todas as partes.
Levou o que pôde a Olorum
e Olorum juntou os pedaços e de novo deu vida a Obatalá.
Mas Exu não pôde de fato encontrar todas as partes,
pois muitas delas se perderam longe, muito longe.
Por isso, dizem,
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Obatalá está espalhado pelo mundo inteiro.
Obatalá está em todo lugar.
[288]
Obatalá fere acidentalmente sua esposa Iemu
Desde o dia em que Obatalá se casou com Iemu,
ela parou de tomar água e passou a beber sangue,
sangue fresco de animais, que Obatalá devia prover.
Um babalaô tinha dito a ela que os filhos viriam com sangue
e foi assim que ela interpretou a mensagem do oráculo.
Ela queria filhos, então alimentava-se de sangue.
Obatalá não tinha armas para caçar
e por isso foi ao babalaô para saber como fazer.
Foi preparada então uma colher de pau com poderes mágicos.
Quando Obatalá apontava a colher de pau para um animal,
dele jorrava sangue fresco, que levava à sua mulher.
Diariamente Obatalá ia à floresta em busca de sangue
e Iemu ficava muito intrigada que ele o conseguisse,
pois sabia que o marido não tinha arma alguma
e muito menos o dom de caçador.
Resolveu seguir Obatalá e descobrir o segredo.
Fez um furo no embornal de Oxalá e o encheu de cinzas.
Quando Obatalá foi ao mato em busca de sangue,
bastou a Iemu seguir o rastro de cinzas deixado por ele.
Seguiu o marido escondida no mato, sem se deixar por ele descobrir.
E lá estava ele na clareira onde sempre esperava por algum bicho.
Quando ouviu o ruído de algo se aproximando entre os arbustos,
Obatalá apontou sua mágica colher de pau naquela direção
e imediatamente um grito de mulher ferida ecoou na mata.
mitologia dos orixás / 508
Correu para os arbustos e lá estava Iemu caída,
com sangue fresco jorrando por entre as pernas.
Ele a carregou nos braços e a levou ao babalaô.
O babalaô mandou que ela oferecesse cinco galinhas,
uma galinha a cada dia, em cinco dias sucessivos.
Assim foi feito e Iemu parou de sangrar.
Ela e Obatalá fizeram sexo e ela engravidou.
Iemu teve muitos filhos de Obatalá.
Desde aquele dia na clareira,
todas as mulheres passaram a sangrar a cada mês.
E somente aquelas que podem sangrar podem ter filhos.
Obatalá, por sua vez, nunca mais quis saber de sangue.
[289]
Orixalá guarda de lembrança uma pena de Ecodidé
Orixalá era muito amigo de um pequeno pássaro chamado Ecodidé.
Orixalá dividia todos os seus segredos e desejos com Ecodidé.
Ecodidé era um belo papagaio
com brilhantes penas vermelhas na cauda.
Ele se recostava junto da cadeira de Orixalá para ouvi-lo falar.
Um dia, porém, Exu resolveu atrapalhar
a amizade entre o pássaro e Orixalá.
Exu sentia inveja e ciúme de Orixalá.
Ele pôs uma tigela cheia de azeite perto da cauda do pássaro
e a cauda dele encharcou-se toda.
Quando Ecodidé ergueu-se para acompanhar Orixalá,
o azeite escorreu de sua cauda e caiu sobre Orixalá
e também sobre tudo por onde Ecodidé passava.
Orixalá não suporta dendê, é seu tabu.
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Orixalá escorraçou Ecodidé de sua casa:
“Não quero ver-te nunca mais.
De hoje em diante és uma coisa ruim para mim.
Fora da minha casa!”.
Ecodidé ficou muito magoado com aquilo,
mas Orixalá guardou de lembrança uma de suas penas vermelhas,
porque sempre foram muito amigos
antes de tudo aquilo ter acontecido.
[290]
Oxalá salva seus filhos com a ajuda de Orunmilá
Os filhos de Oxalá eram meninos muito malcriados.
Junto com outros moleques levados, sem respeito
invadiam roças e fundos de quintal dos vizinhos.
Roubavam frutas, mel e tudo o que podiam apanhar.
Viviam atormentando os habitantes do lugar.
Orunmilá e Oxalá, então, combinaram um ebó
para dominar os traquinas, acalmar os seus oris.
Oxalá levou os filhos à casa de Orunmilá,
onde os meninos ficaram reclusos para as obrigações.
mitologia dos orixás / 510
No outro dia,
os outros meninos vadios foram procurar os filhos de Oxalá,
mas não os encontraram para levá-los às suas algazarras.
Foram então para suas aventuras sem os filhos de Oxalá.
Mas, quando se encontravam na copa de uma árvore,
comendo as frutas e rindo do roubado proprietário,
eis que o dono surge gritando contra eles e dando tiros para o ar.
O susto das crianças foi tamanho que caíram lá de cima,
no chão, quebrando pernas, braços e cabeça.
Os filhos de Oxalá, que estavam em paz na casa de Orunmilá,
em oferendas para acalmar o buliçoso temperamento,
livraram-se, assim, do castigo que os companheiros receberam.
Com a lição e com o ebó, tomaram juízo
e cresceram homens respeitosos e respeitados.
[291]
Oxalá cria a galinha-d’angola e espanta a Morte
Há muito tempo, a Morte instalou-se numa cidade
e dali não quis mais ir embora.
A mortandade que ela provocava era sem tamanho
e todas as pessoas do lugar estavam apavoradas.
A cada instante tombava mais um morto.
Para a Morte não fazia diferença alguma
se o defunto fosse homem ou mulher,
se o falecido fosse velho, adulto ou criança.
A população, desesperada e impotente, recorreu a Oxalá,
rogando-lhe que ajudasse o povo daquela infeliz cidade.
Oxalá, então, mandou que fizessem oferendas,
que ofertassem uma galinha preta e o pó de giz efum.
Fizeram tudo como ordenava Oxalá.
oxalá / 511
Com o efum pintaram as pontas das penas da galinha preta
e em seguida a soltaram no mercado.
Quando a Morte viu aquele estranho bicho,
assustou-se e imediatamente foi-se embora,
deixando em paz o povo daquela cidade.
Foi assim que Oxalá fez surgir a galinha-d’angola.
Desde então, as iaôs, sacerdotisas dos orixás, são pintadas como ela
para que todos se lembrem da sabedoria de Oxalá
e da sua compaixão.
[292]
Oxalá é proibido de consumir sal
Oxalá foi consultar Ifá
para saber como melhor tocar a vida.
Os adivinhos recomendaram que fizesse ebó,
que oferecesse aos deuses uma cabaça de sal e um pano branco.
Assim Oxalá não passaria por transtornos
e não sofreria desonras e outras ofensas morais na Terra.
Dando de ombros ao conselho,
Oxalá foi dormir sem cumprir o recomendado.
De noite Exu entrou na casa de Oxalá.
Ele trazia uma cabaça cheia de sal
e a amarrou nas costas de Oxalá.
Na manhã seguinte Oxalá despertou corcunda.
Desde então tornou-se protetor dos corcundas,
dos albinos e toda sorte de aleijados.
Mas foi para sempre proibido de consumir sal.
[293]
mitologia dos orixás / 512
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