-“Vovô, o senhor sabe, eu estou passando por momentos muito difíceis. Logo eu, que sempre fui tão boa para todo mundo... Acho que fizeram alguma coisa para mim. Caso contrário, não vejo outro motivo para tantos problemas. Sim, é isso! Só podem ter feito alguma coisa para mim”.
O preto-velho, paciente como ele só, e conhecedor do íntimo humano, apenas olha para a mulher e esboça um prenúncio de sorriso. Percebendo a face tranqüila do amigo espiritual, a consulente interpreta como um gesto de aceitação de suas lamúrias, e continua:
-“Isso mesmo, vovô, fizeram alguma coisa para mim. Meu marido está desempregado há quatro meses, meus três filhos estão passando por grandes dificuldades; o mais velho, agora com 26 anos, nunca conseguiu um trabalho no qual se adapte; o do meio, apesar de trabalhar, está passando por uma fase financeira muito difícil; e a mais nova, vovô – ah, a mais nova – como me preocupa! Vai muito mal nos estudos. Para completar, até em mim, que sou quem sustenta a casa, apareceu um furúnculo que está me tirando o sono. Isso mesmo! Foi um trabalho que fizeram pra mim, e tenho certeza de que foi a invejosa da minha vizinha”.
Para alguém que não conhecesse um pouco das tendências humanas atuais, a narrativa acima poderia realmente ser interpretada exatamente como contado pela consulente. Isso porque, muitas vezes, não conseguimos enxergar as situações por outros ângulos; ou talvez não queiramos enxergar, pois veríamos o quanto nossos atos são falhos e o quanto somos culpados pelos nossos próprios infortúnios. Tentar encontrar uma causa externa para todos os nossos problemas, ou seja, algo que não dependa de nós, é a reação instintiva que a maioria de nós ainda tem. Se a senhora do caso acima tomasse – de repente – uma pílula de sabedoria, talvez sua narrativa ficasse mais ou menos assim:
“Vovô, tenho muitos problemas, e sei que em muitos deles tenho uma grande parcela de culpa. Meu marido está desempregado há quatro meses. Não pára em emprego porque é alcoólatra, e não consegue encontrar outro porque não vence o vício e porque não tem ânimo para procurar. De minha parte, eu colaboro com a situação porque continuo custeando todas as suas necessidades e até o que não é necessário, não o estimulando a uma nova vida.
Meu filho mais velho, com 26 anos, nunca trabalhou, porque sempre acha que o emprego que consegue não está a sua altura. Acha sempre que pelo salário prometido não vale a pena o esforço. Eu colaborei com essa situação porque, na condição de mãe, não o ensinei que todo começo é difícil e que, para chegar ao topo é preciso começar pelo primeiro degrau. E, como faço com o seu pai, continuo custeando suas vontades, sem estimulá-lo ao trabalho.
O filho do meio, apesar de trabalhar, nunca tem dinheiro, porque gasta com farras e com o que não deve. Não deixa, contudo, de adquirir dívidas, pois quer usufruir de uma vida a que suas condições financeiras não correspondem. Como mãe, falhei e tenho falhado no ensino da responsabilidade e da honestidade.
A caçula, levada por sentimentos muito materialistas, preocupa-se muito com a diversão presente. Por sintonia, agrupou-se a outras amigas que também pensam assim, e troca o estudo pelos passeios e namorados. Como mãe, faltou-me ensinar-lhe que a vida verdadeira não é somente essa que vemos, e que colheremos amanhã o que semeamos hoje.
E finalmente, vovô, meu corpo reclama – e traduz em doenças – toda a minha angústia e covardia, por tentar tampar o sol com a peneira, por não cumprir bem o meu papel de esposa e mãe, a troco de não me indispor com meus familiares. Vejo os erros, e não falo para não criar discussões, embora, como esposa e mãe, esse fosse o meu papel. E com tudo isso, sofro”.
Esse sim seria um depoimento mais sincero e imparcial. Contudo, a maioria de nós ainda encontra dificuldades em enxergar sobre outra ótica senão com os óculos do ego. E, via de regra, a culpa recai sobre os outros e sobre qualquer coisa de cunho espiritual, de forma que o responsável real possa ser ocultado.
Muito bem: no caso narrado acima, vimos que a senhora em questão tinha muito mais culpa de seu sofrimento do que inicialmente supunha. Mas e quando há realmente algum trabalho de magia, alguma mentalização negativa ou alguma influência espiritual? Será que nesses casos estamos livres de qualquer grau de culpa? Na verdade, não! E nesse ponto, há duas situações a serem analisadas:
A primeira é que no mundo espiritual, tudo funciona por atração e repulsão energética. Atraem-se os afins, e repelem-se os não semelhantes. Não há outra forma! Não há como ser diferente, pois as energias e os espíritos só podem atuar sobre aquilo com que tem sintonia, ou seja, que vibre na mesma freqüência.
O ponto de maior importância em qualquer trabalho feito, é a concentração de quem faz, que pode ser encarnado ou não. Através de sua concentração – ou mentalização – as energias ali acumuladas são enviadas para o endereço vibratório desejado – a vítima. Ao encontrá-la, tais energias só conseguirão atingir sua aura - e causar os malefícios programados - se as vibrações desta forem semelhantes à emanação energética do mentalizador. Se não forem, as energias enviadas retornarão pelo mesmo caminho, e a pessoa endereçada nada sofrerá. Alguém consegue imaginar Chico Xavier, João Paulo II ou o Dalai Lama sofrendo por “trabalho feito” ? Ou seja, para QUALQUER trabalho espiritual - seja para o bem ou para o mal - conseguir atingir uma pessoa, é necessário que ela vibre na mesma sintonia da mente que o originou. Pensamentos elevados atrairão para si energias positivas, e repelirão cargas maléficas. Pensamentos de baixo nível vibratório atrairão para si energias negativas e repelirão bons fluidos.
O grande problema é que a maioria de nós não tem consciência de que vez por outra todos vibramos em sintonias inferiores, secundados por paixões, preocupações, irritações e coisas do dia-a-dia que nos desviam de bons pensamentos e nos tornam vulneráveis a ataques negativos. Aí está o verdadeiro sentido da máxima “ORAI E VIGIAI”, ensinada pelo Cristo. É preciso que mantenhamos nosso espírito fortalecido através da prática espiritual (orai), mas também é importante que vigiemos os nossos pensamentos para não nos tornarmos vítimas de nós mesmos e, em seguida, de energias negativas e pessoas que nos querem mal.
O segundo ponto a ser analisado na questão do “trabalho feito” pode também ser estendido a qualquer coisa negativa que nos aconteça, seja ela espiritual ou não: um assalto, uma demissão, uma doença... e até mesmo um trabalho feito.
O fato é que temos a impressão de que coisas assim - que independem de nossa vontade - são situações fortuitas e que poderiam ter sido evitadas. Achamos que somos meras vítimas, agentes passivos das situações. E essa impressão é causada pela limitação de nossa visão, que não enxerga além da ilusão da matéria. Tracemos um exemplo:
Cada célula de nosso corpo é única, e desempenha corretamente sua função no organismo. Se pudéssemos conversar com uma delas, talvez descobríssemos que ela não tem consciência das bilhões de outras células que compõem o corpo humano. Na verdade, são bilhões de células que compõem o UNO, embora não saibam disso. Se uma dessas células adoece e deixa de cumprir seu papel fisiológico, células do mesmo organismo a combatem, para que a harmonia corporal seja restabelecida. A célula atacada, sem saber de sua importância para nossa fisiologia, pode, nesse momento, achar que está sofrendo uma injustiça, com um ataque que independe de sua vontade, quando na verdade, é apenas o UNO tentando manter a harmonia e o equilíbrio.
Cada um de nós é como uma célula dentro do TODO. Também compomos um “UNO”, regido por leis e pleno de atividade. Cada vez que – com nossas ações ou omissões – tendemos a romper a harmonia do TODO, alguma situação acontece para que tendamos a restabelecê-la, embora, como a célula orgânica, tenhamos apenas a impressão de que estamos sendo atacados por situações fortuitas, alheias a nossa vontade.
O assalto, a doença, a demissão e o trabalho feito, embora os classifiquemos como umas dessas situações, possuem razão para acontecer em nossa vida, pois NINGUÉM TEM MAIS E NEM MENOS DO QUE MERECE. Se assim não fosse, Deus não seria justo e imparcial. Há um ditado que diz: “A cada um, segundo suas obras”. Ou seja, tudo pelo que passamos possui uma explicação e uma causa pregressa.
“Se eu tinha que ser assaltado, então o assaltante não tem culpa?”, pode alguém perguntar. E a resposta é a seguinte: esse assaltante foi a ferramenta que o TODO – o corpo que nós, enquanto células ajudamos a compor – encontrou para nos trazer ao caminho harmônico outra vez, nos ensinando, talvez, o desapego ou a impermanência da matéria. Mas isso não quer dizer que ele – o assaltante -, por sua vez também não sofrerá as conseqüências de seus atos. Sim, ele foi utilizado como ferramenta naquele momento porque estava em condição evolutiva cuja moral possibilitava essa atitude, mas também terá que ser corrigido a seu tempo, e outro, em condição moral inferior será a sua ferramenta de correção.
“E isso não acaba nunca?” Não. A cada instante estão sendo criados espíritos em condição simples e ignorante, cuja moral, ainda deficiente, causará tristezas e desventuras e que, mais tarde, deverão ser elucidados e redirecionados no caminho do bem. Taí a explicação para uma outra máxima do Cristo: “Que venha o escândalo porque ele é preciso, mas ai daquele por quem venha”, o que significa que, coisas ruins devem acontecer porque são necessárias à nossa re-harmonização, mas ai daquele por quem essa “coisa ruim” venha, pois ele, por sua vez, também terá que ser reeducado.
Nesse mesmo sentido, quando há realmente um trabalho feito, temos apenas a impressão que o culpado é o nosso vizinho que o fez. Nosso vizinho está apenas sendo uma ferramenta do TODO para nos ensinar alguma coisa, porque a sua condição moral – que não se importa em fazer o mal – permite que assim o seja. Se não fosse esse vizinho, a corrigenda viria de outra forma, mas viria.
Em resumo, se temos problemas que não são causados por “trabalhos feitos”, a responsabilidade do sofrimento é inteiramente nossa. Devemos, nesse caso, rever nossos pensamentos e atitudes, a fim de reformar nosso íntimo e plantar boas sementes, para colhê-las depois.
Havendo “trabalho feito”, devemos procurar a solução e o auxílio espiritual para resolvê-lo, mas cabe-nos lembrar que temos também responsabilidade sobre o mesmo, por permitirmos brechas em nossa sintonia mental e por termos criado alguma ação no passado que causou a reação no presente. Em todos os casos, não adianta acusar Deus, não adianta culpar o vizinho e nem a vida. Deus é justo. A vida é justa. E nosso vizinho é apenas ferramenta da vida para nos ajustar, assim como também somos ferramenta para ajustar outras pessoas. O TODO é pura harmonia, e tudo o que está em desequilíbrio deve ser re-harmonizado. É assim que funciona.
Mudemos nossos padrões mentais e não achemos que tudo o que nos acontece é resultado de alguma coisa espiritual. Problemas espirituais podem acontecer mas, como em tudo na vida, somos nós mesmos os culpados por eles nos atingirem. Só há um responsável pelos nossos passos: nós mesmos. Façamos, portanto, alguma coisa para nos modificarmos. O remédio para tudo é a oração e a vigia. Ocupemos, então, o nosso tempo com a melhor forma de oração, que é o auxílio ao próximo, e vigiemos nossos pensamentos, parando de nos lamentar, traçando objetivos concretos na vida, agindo verdadeiramente e, acima de tudo, buscando o amor fraternal para entendermos que TODOS SOMOS UM.