MENTE, RELIGIÃO E CONFIANÇA - OSHO
Tozan disse: "Este linho pesa dois quilos".
Osho - A religião não está preocupada com perguntas e respostas filosóficas. Embora pareçam profundas, elas são tolas, e uma pura perda de vida, tempo, energia e consciência, porque você pode continuar perguntando e respostas poderão ser dadas – mas dessas respostas só irão surgir mais perguntas. Se no começo havia apenas uma pergunta, no final, através dessas muitas respostas, haverá um milhão de perguntas.
A filosofia não resolve nada. Ela promete, mas nunca resolve nada, todas essas promessas ainda não foram cumpridas. Ela continua prometendo, mas a experiência que pode resolver os enigmas da mente não pode ser alcançada através da especulação filosófica.
Buda era absolutamente contra a filosofia – nunca houve um homem mais contra a filosofia do que Buda. Através de sua própria experiência amarga, ele veio a entender que todas as profundezas da filosofia são apenas superficiais. Mesmo o maior filósofo permanece tão comum quanto qualquer um; nenhum problemas foi resolvido, nem mesmo tocado. Ele tem muito conhecimento, muitas respostas, mas continua a ser o mesmo velho homem... nenhuma nova vida lhe aconteceu. E o cerne, o núcleo da questão é que a mente é uma faculdade questionadora: ela pode fazer qualquer tipo de pergunta, e então pode se enganar respondendo-as. Mas você é quem pergunta, e você é aquele que as resolve.
A ignorância gera perguntas e a ignorância cria respostas – a mesma mente cria/atua em ambos os sentidos. Como pode uma mente questionadora chegar a uma resposta? No fundo, a própria mente é a pergunta.
Assim, a filosofia tenta responder às perguntas da mente e a religião parece a própria base. A mente é a pergunta, e a menos que a mente seja descartada a resposta não será revelada a você – a mente não vai permitir, a mente é a barreira, o muro. Quando não existe mente, você é um ser experienciando; quando a mente existe, você é um ser verbalizando.
Numa escola pequena aconteceu: havia uma criança muito burra, ela nunca fazia nenhuma pergunta e a professora também não dava atenção a ela. Mas um dia ela ficou muito animada quando a professora estava explicando um determinado problema de aritmética, escrevendo alguns número na lousa. a criança ficou muito animada, levantando a mão várias vezes; ela queria perguntar algo. Quando a professora terminou o problema, ela apagou os números na lousa, e ficou muito feliz vendo que pela primeira vez essa criança estava querendo perguntar alguma coisa, e ela disse: "Estou feliz que queira perguntar alguma coisa. Vá em frente, pergunte!".
A criança ficou de pé e disse: "Estou muito preocupado, e a pergunta não parava de vir à minha cabeça. Hoje eu decidi perguntar: para onde é que essas drogas de números vão quando a senhora os apaga?".
A questão é muito filosófica, todas as perguntas são assim. Muitos perguntam para onde vai um buda quando morre, a pergunta é a mesma. Onde está Deus? A pergunta é a mesma. O que é a verdade? A pergunta é a mesma. Mas você não pode sentir a idiotice escondida nelas, porque elas parecem muito profundas, e têm uma longa tradição – as pessoas as fazem desde sempre, e pessoas que você acha muito maravilhosas têm se preocupado com elas: teorizando, encontrando respostas, sistemas de criação... mas todo o esforço é inútil, porque só a experiência pode lhe dar a resposta, não o pensar. E se você continuar pensando, você vai ficar cada vez mais louco, e a resposta estará ainda mais longe.
Buda diz: Quando a mente para de questionar, a resposta acontece. É porque você está tão preocupado com as perguntas que a resposta não pode penetrar em você. Você está com um problema tão grande, você está tão perturbado, tão tenso que a realidade não pode entrar em você – você está tremendo tanto por dentro, tremendo de medo, com a neurose, com perguntas e respostas tolas, com sistemas, filosofias, teorias; você está entupido de coisas.
O Mulá Nasrudin estava passando por uma aldeia com seu carro. Multidões estavam reunidas, e ele ficou preocupado. Ninguém estava nas ruas, todo mundo estava recolhido num lugar qualquer. Então ele viu um policial e perguntou: "O que houve? Algo errado? O que aconteceu? Eu não vejo pessoas em lugar nenhum, trabalhando, circulando nas lojas.... elas estão reunidas em multidões!"
O policial não podia acreditar no que estava ouvindo, e disse: "O que você está perguntando? Houve um terremoto agora! Muitas casas caíram, muitas pessoas estão mortas!". Então o policial disse: "Eu não posso acreditar que você não tenha sentido o terremoto!".
Se um terremoto está acontecendo dentro de você o tempo todo, então um terremoto de verdade não será capaz de afetar você. Quando você está em silêncio, imóvel, então a realidade acontece. E o questionamento é um tremor dentro de você. Questionamento significa dúvida, dúvida significa tremor. Questionar significa que você não confia em nada – tudo se tornou uma pergunta, e quando tudo é uma pergunta existe muita ansiedade. Você já observou a si mesmo? Tudo se torna uma pergunta. Se você está infeliz, você faz perguntas. Mesmo se você estiver feliz, você faz perguntas – "Por que?". Você não pode acreditar que é feliz.
As pessoas me procuram quando passam por uma meditação profunda e têm vislumbres. Elas me procuram muito perturbadas porque – elas dizem – algo está acontecendo e não podem acreditar que isso está acontecendo a elas. Elas não acreditam que essa felicidade possa acontecer, deve haver algum mal entendido. As pessoas me dizem: "Você está me hipnotizando? Porque alguma coisa está acontecendo!". Elas não podem acreditar que podem ser felizes, alguém deve tê-las hipnotizado. Elas não podem acreditar que conseguem ficar em silêncio – "Por que? Por que eu estou em silêncio? Alguém deve estar me pregando uma peça!".
A confiança não é possível para uma mente questionadora. Assim que ocorrer uma experiência, a mente cria uma pergunta: "Por que?". A flor está lá, e se você confia, você vai sentir uma beleza, uma floração de beleza, mas a mente diz: "Por que? Por que essa flor é chamada de beleza? O que é beleza?"... você vai se desviar. Você está apaixonado, e a mente pergunta: "Por que, o que é o amor?".
Contam que Santo Agostinho disse: "Eu sei o que é o tempo, mas, quando as pessoas me perguntam, tudo se perde, eu não posso responder. Eu sei o que é amor, mas se você me pergunta 'O que é o amor', eu fico perdido, não posso responder. eu sei o que Deus é, mas você me pergunta e eu fico perdido". E Agostinho está certo, porque a partir de profundidades não se pode perguntar, não se pode questionar. Você não pode colocar um ponto de interrogação num mistério. Se você colocar o ponto de interrogação, o ponto de interrogação se torna mais importante; então a pergunta encobre todo o mistério. E se você pensa que quando você tiver resolvido a pergunta vai viver o mistério, você nunca irá vivê-lo.
O questionamento é irrelevante na religião. A confiança é relevante. Confiar significa avançar para a experiência, rumo ao desconhecido, sem perguntar muito – passar por ela para conhecê-la.
Se eu digo a você que está uma bela manhã lá fora, você começa a me questionar sobre isso aqui dentro, fechado nesta sala, e você gostaria que todas as suas perguntas fossem respondidas antes de dar um passo lá para fora. Como posso lhe dizer, se você nunca soube o que é uma manhã? Só pode ser dito em palavras aquilo que você já conhece. Como posso dizer que há uma luz, uma bela luz se infiltrando entre as árvores, que todo o céu está cheio de luz, se você sempre viveu na escuridão? Se os seus olhos estão acostumados apenas com o escuro, como eu posso explicar a você o que é a luz?
Você vai perguntar: "O que você quer dizer? Você está tentando nos enganar? Vivemos a vida toda e nunca conhecemos nada sobre a luz. Primeiro responda nossas perguntas, e então se estivermos convencidos podemos sair com você, caso contrário parece que você está nos desviando do caminho, nos desviando da nossa vida protegida".
Mas como a luz pode ser descrita se você não sabe nada sobre ela? Mas é isso o que você está pedindo: "Convença-nos sobre a divindade, então vamos meditar, então vamos orar, então vamos buscar. Como podemos buscar antes dessa convicção? Como podemos sair em busca, quando não sabemos para onde estamos indo?"
Isso é desconfiança. E por causa dessa desconfiança você não consegue avançar rumo ao desconhecido. O conhecido se apega a você, e você se apega ao conhecido – e o conhecido é o passado morto. Ele pode parecer aconchegante porque você viveu nele, mas ele está morto, ele não está vivo. A vida é sempre o desconhecido batendo à sua porta. Siga com ela. Mas como você pode seguir sem confiança? E mesmo pessoas que duvidam pensam que têm confiança.
Uma vez aconteceu: O Mulá Nasrudin me disse que estava pensando em se divorciar da esposa. Eu perguntei: "Por que? Por que tão de repente?"
Nasrudin disse: "Eu duvido da fidelidade dela".
Então eu lhe disse: "Espere, vou perguntar à sua esposa".
Então eu disse à esposa dele: "Nasrudin está espalhando para todo mundo boatos de que você não é fiel, e ele está pensando em divórcio, então o que houve?"
A esposa disse: "Isso é demais. Nunca ninguém me insultou assim. E digo a você: eu já fui fiel a ele dezenas de vezes!".
Não é uma questão de dezenas de vezes – você também confia, mas dezenas de vezes? Essa confiança não pode ser muito profunda, é apenas utilitária. Você confia sempre que sente valer a pena. Mas sempre que o desconhecido bate você nunca confia, porque você não sabe se ele vai valer a pena ou não. A fé e a confiança não são uma questão de utilidade – elas não são utilitárias, você não pode usá-las. Se você quiser usá-las, você as mata. Elas não são de modo algum utilitárias. Você pode apreciá-las, pode usufruir delas, mas elas não valem a pena.
Elas não valem a pena nos termos deste mundo. Pelo contrário, o mundo inteiro vai olhar para você como um tolo, porque o mundo acha uma pessoa sábia somente quando ela duvida, o mundo acha que uma pessoa é sábia somente quando ela questiona, o mundo acha que uma pessoa é sábia somente quando ela avança um passo com convicção, e antes de estar convencida ela não dá nenhum passo. Essa é a astúcia, a inteligência do mundo – e o mundo chama essas pessoas de sábias!
Elas são tolas – pelo menos no que diz respeito ao Buda. Porque através da sua chamada sabedoria, elas perdem o mais grandioso, e o mais grandioso não pode ser utilizado. Você pode se fundir com ele, você não pode usá-lo. Ele não tem nenhuma utilidade, não é uma mercadoria; é uma experiência, é um êxtase. Você não pode vendê-lo, você não pode fazer negócio com ele – pelo contrário, você se perde nele completamente. Você nunca mais será o mesmo novamente. Na verdade, você nunca pode voltar: é um ponto sem retorno. Se você for, você vai. Você não pode voltar atrás, não há como voltar atrás. É perigoso.
Assim, apenas as pessoas muito corajosas podem entrar no caminho. A religião não é para os covardes. A religião é apenas para os muito corajosos, para aqueles que podem dar o passo mais perigoso – e o passo mais perigoso é o do conhecido para o desconhecido; o passo mais perigoso é o da mente para a não-mente, do questionamento para o não questionamento, da dúvida para a confiança.
Antes de entrar nesta pequena mas bela história, mais algumas coisas devem ser entendidas. Primeira: você só será capaz de compreender quando conseguir dar um salto, quando conseguir construir uma ponte, de alguma forma, do conhecido para o desconhecido, da mente para a não-mente. Segunda coisa: a religião não é uma questão de pensar; não é uma questão de pensar corretamente, que se pensar corretamente você vai se tornar religioso – não! Quer você ache certo ou errado, você permanecerá não religioso. As pessoas pensam que se você pensar corretamente vai se tornar religioso, e se pensar equivocadamente você vai se desviar.
Mas eu digo a você que, se você pensar, você vai errar – de maneira certa ou errada, não importa. Se você não pensar, só então você estará no caminho. Pense e você se perderá. Você já partiu numa viagem longa, você não está mais aqui e agora; o presente está perdido – e a realidade está apenas no presente.
Com a mente, você continuará se perdendo. A mente tem um mecanismo: ela se move em círculos, círculos viciosos. Tente observar a sua própria mente: a vida tem sido uma jornada, ou ela está apenas se movendo em círculos? Você está realmente avançando, ou apenas se movendo em círculos? Você repete a mesma coisa, vezes e vezes sem conta. Anteontem você estava com raiva, ontem você estava com raiva, hoje você está com raiva... e existe uma grande possibilidade de que amanhã você também vá ficar com raiva. E você sente que a raiva é diferente? Anteontem foi a mesma coisa, ontem foi a mesma coisa, hoje é a mesma coisa – a raiva é a mesma. As situações podem ser diferentes, as desculpas podem ser diferentes, mas a raiva é a mesma coisa! Você está avançando? Você está indo a algum lugar? Há algum progresso? Você está andando em círculos, chegando a lugar nenhum. o círculo pode ser muito grande, mas como você pode avançar, se anda em círculos?
Ouvi, uma vez, andando numa tarde... dentro de uma pequena casa, uma criança choramingava e dizia à mãe: "Mãe, eu estou farto de andar e círculos". A mãe disse: "Ou você cala a boca, ou eu prego no chão o seu outro pé também". Você ainda não está farto. Um pé está pregado na terra e, como essa criança, você está se movendo em círculos. Você é como um disco de vinil quebrado: o mesmo verso se repete, ele continua se repetindo.
Por que essa repetição? A mente é repetitiva, é um disco quebrado; a própria natureza dela é justamente a de um disco quebrado. Você não pode mudá-la. Um disco quebrado pode ser reparado, mas a mente não pode, porque a própria natureza da mente é repetir. No máximo você pode fazer círculos maiores, e com círculos maiores, você pode ter alguma impressão de estar avançando; com círculos maiores você pode enganar a si mesmo de que as coisas não estão se repetindo.
O círculo de uma pessoa compreende apenas 24 horas. Se você é inteligente, você pode fazer um círculo de 30 dias; se você é ainda mais inteligente, você pode fazer um círculo de um ano; e se você for ainda mais inteligente, você pode fazer um círculo de uma vida inteira... mas o círculo permanece o mesmo. Não faz nenhuma diferença. Maior ou menor, você anda no mesmo sulco, você volta para o mesmo ponto.
Devido a esse entendimento, os hindus chamaram a vida de uma roda – sua vida, é claro, não é a vida de um buda. Buda é aquele que saltou para fora da roda. Você se apega à roda, você se sente muito seguro lá – e a roda se move. Desde o nascimento até a morte ela completa um círculo. Nascimento novamente, morte novamente. Você vai e vem, e você faz muitas coisas – sem sucesso. Onde você se perde? Você se perde no primeiro passo.
A natureza da mente é a repetição, e a natureza da vida não é a repetição. A vida é sempre nova, sempre. A novidade é a natureza da vida, o Tao; nada é velho, não pode ser. A vida nunca se repete, ela simplesmente se torna a cada dia nova, a cada momento nova – e a mente é velha, por isso a mente e a vida nunca se encontram. A mente simplesmente se repete, a vida nunca se repete. Como podem a mente e a vida se encontrar? É por isso que a filosofia nunca compreende a vida.
Todo o esforço da religião é: como descartar a mente e passar para a vida, como abandonar o mecanismo repetitivo e entrar no mesmo sempre novo, sempre vivo fenômeno da existência. Esse é o ponto principal desta bela história: os Dois Quilos de Tozan."
Osho em Isto Isto, Mil vezes Isto: A própria essência do Zen