sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

A MENSTRUAÇÃO E OS IMPACTOS NOS TRABALHOS ESPIRITUAIS

Antes de recorrer a este tema propriamente dito é importante fazermos um resgate histórico sobre a criação do mundo e o papel da mulher na sociedade. Desde o seu inicio ao seu processo de desenvolvimento não se pode negar que o mundo nasceu machista e aos poucos a mulher foi ganhando o seu espaço no lar, no comércio e na religião. 

A mulher sempre sofreu preconceitos por ser a “mais frágil: não podia ir a luta”, a “mais inocente: não podia escolher o seu próprio marido”, a “mais ignorante: só poderia saber ler uma receita de bolo” e assim por diante. Os homens ao longo da história sempre foram resistentes a evolução das mulheres (daí se viu tanta bruxa queimada na inquisição, mulheres muito cultas eram taxadas como endemoniadas e, portanto, deveriam ser queimadas). A mulher escolhida para casar ou para seguir como adepta de uma religião tinha que ser virgem, limpa, pura.



A criança (menina) era tida como criança e pura até ter a sua primeira menstruação. Afinal de contas, para que serve a menstruação? Ao passar por esta experiência o organismo / corpo das meninas estão anunciando que elas já estão aptas à procriação (isso do ponto de vista biológico, se uma adolescente deve ou não ficar grávida isso já sai da biologia e vem para o “social”). Ainda sob o ponto de vista biológico, a menstruação tem a função de limpar o corpo da mulher, representa sinal de saúde e não de impureza. Impureza são os dejetos e não o processo. Como pode um processo ligado a Oxum ser tratado como critério de exílio? 

O processo de menstruar se dá exatamente para remoção de impurezas do corpo, mas neste caso são impurezas físicas. É um processo saudável ligado a fertilidade. A atribuição de que a menstruação pudesse ter impacto religioso se deu através dos dogmas teológicos de cada religião. A religião espírita é uma religião que acredita que tudo a sua volta tem energia, então talvez o contato com o sangue repleto de impurezas pudesse também trazer sujeira onde a mulher pudesse pisar.

Há casas de Candomblé que dependendo da nação que seguem, as mulheres menstruadas não podem chegar perto do atabaque, do Orixá, da comida de santo e em casos mais extremos caso compareçam na gira, elas ficam sentadas em uma esteira enquanto o Orixá estiver em terra. Dialogando este tema em alguns grupos de estudo obtivemos diversos e diferentes tipos de tratamento para este tema.

Há terreiros que os pais/mãe de santo não abordam o tema. Há terreiros que não fazem contra indicações, as filhas em situação de menstruação atuam normalmente como parte da gira. Há terreiros que alegaram ser importante esta decisão caber a própria médium de forma que possam aprender a se auto-observar e verificar se os dejetos do seu organismo implicam em problema de higiene (afinal trabalhamos com o branco e um vermelho é rapidamente notado), em problema de humor (para não passarem isso como “palavras do guia” – o médium fica de TPM o guia não!), enfim, esta é uma discussão delicada que parece não haver um consenso entre os dirigentes de terreiro.

Além de dirigentes decidimos entrevistar algumas mulheres, afinal, é delas que estamos escrevendo! Para Antônia Banzato, médium da corrente Caboclo Ubirajara (SP) há 4 anos e médium há mais de 20 anos, este não parece ser um problema de impedimento para o médium trabalhar na Umbanda, mas parece ser bem mais preterido nos chão de Candomblé. Já para médium Fabiana Dombi (médium na mesma corrente que Antônia), porém prestando seus serviços de mediunidade à casa há mais de 7 anos, este também não parece ser um problema desde que a filha não se sinta mau com ela mesma, afinal de contas esta é uma situação física que mesmo que tenha a finalidade de saúde para o corpo, convenhamos que é uma situação estressante e desagradável.

Entrevistamos ainda Priscila Silva que trabalhou mais de dez anos na Tenda de Umbanda Caboclo Flecheiro (SP), “No meu caso, mesmo sendo na Umbanda fomos orientadas a nunca mexer com a comida de santo e meu Exu foi doutrinado a nunca descer em terra nestas condições. Para mim não tem problema, pois a Pomba Gira sra Maria Padilha não vê o menor problema em usar esta matéria nestes dias. Esta parece ser uma questão administrada de acordo com as normas do terreiro” – afirma Priscila.

Particularmente, não vemos com frequência nenhum pai de santo controlando a agenda de menstruação de suas filhas (o que seria no mínimo invasivo, expositivo, preconceituoso e desnecessário). Mas uma coisa é certa e estamos batendo na mesma tecla desde que começamos a escrever e dialogar com a comunidade de Umbanda: devemos seguir as regras e doutrinas do chão onde estamos pisando.

Se o chão que você trabalha proíbe-a de trabalhar menstruada e você ou seu guia não concorda, talvez deva procurar outro chão que esteja mais adequado a sua doutrina e valores ou vice versa. Há tantas coisas que polui um corpo que nós particularmente não achamos este um agravante desde que sejam ponderadas as questões que são trazidas juntas a menstruação: mudança de humor, estado de higiene, etc.

Diferente de como nasceu o mundo (machista...) hoje em dia as mulheres tem se mostrado muito mais fortes do que se mostravam o “sexo frágil”, a maior parte delas não ficam em casa, deixam de ser mães ou deixam seus afazeres de lado por estarem na menstruação, por que seria diferente para louvar guias, mentores e o próprio Deus, sendo que foi ele quem as criou e disse “todo ser humano é minha imagem e semelhança”. “Menstruar” parece no final das contas ter um papel biológico sobre a mulher e não espiritual. Não estamos aqui nesta comunidade para mudar sua forma de gerir seu terreiro ou comportar-se dentro do seu chão. Queremos discutir com você, ouvi-lo e assim, vamos evoluindo e crescendo.


O importante é o respeito. Terreiros que proíbem a mulher em fase de menstruação de trabalhar respeitam aqueles que não proíbem e vice versa. Ninguém tentando impor uma verdade absoluta para uma religião em que aprendemos todos os dias com estes maravilhosos guias em terra.