Do nada Deus criou a Vida.
Da vida nós criamos a fé.
ÊLE nos deu o céu e a terra, os abismos insondáveis
dos mares, o ardor do Sol, o sopro do eterno
existir, o oceano infinito das sombras, o gérmen do
princípio na infinita multiplicação de Si mesmo.
Fez-nos a dádiva da morte no Todo imortal da
Sua Muda Vontade
Fomos chama, depois nos tornamos forma para
ser espírito da divina eternidade.
Das essências das trevas surgimos na luz do
Absoluto, no hálito imortal da eterna realidade,
ansiosos de alcançar o Fogo Vivente de Deus.
Não existe o primeiro pensamento porque o Pensamento de todos os pensamentos, a Mente Suprema, sempre existiu. Não existe a primeira causa e não há a última porque a Causa Suprema sempre foi e sempre será.
O nada não existe porque o nada se transforma no todo e tem início no todo.
O todo não existe, porque é materializado do nada e tem início no nada.
Não existe matéria, não existe o nada, não existe o todo; existe apenas a Mente Criadora Suprema, o Espírito Infinito, o Ser, o Ente, Deus.
Passado, presente, futuro – distinções de uma medida humana; o tempo. Para o Eterno, subsiste apenas o incomensurável, o infinito e eterno presente, a eternidade, que os homens podem esforçar-se para conceber como uma perene sucessão de passados e de futuros.
Passados que vivem no eterno pensamento de Deus sempre presente; futuros que representam o respirar da Infinita Lei, surgindo, instante por instante, no teu fugacíssimo presente.
Quem pode, realmente, conceber, detê-lo, mantê-lo, por um só instante, seja embora fugitivo? Apenas o tens percebido, ele, já na sombra, é presa do passado; se o esperares na passagem da tua mente, enquanto ele ficar envolto nas névoas imperscrutáveis do incógnito amanhã é futuro; mas apenas o fluir do eterno movimento erga o véu e os teus lábios, trêmulos de expectativa, estejam por pronunciar a palavra do presente: é; ele não é mais; já foi.
Assim, quem pode conceber o infinito? Contudo, o finito não existe. Experimenta levantar uma barreira que limite um espaço até a extremidade mais remota que a mente possa perceber, até o último confim possível à tua imaginação. Ergue aquela barreira e encerra todo o espaço concebível: além dele, sentirás palpitar ainda outro espaço como um insondável e misterioso mar que se perderá na infinidade eterna do Cosmos.
Existe apenas o infinito, e no espaço infinito vibra o Centro Infinito de Vida.
No fulgor mais intenso de Sua deslumbrante pureza resplendia o Fogo Incriado, Divino Criador. E a Sua chama, em um ímpeto de amor, emitiu centelhas, estrelas substanciadas pela Sua Luz, que envolveram de triunfante apoteose a Sua Glória.
O amor do Pai era esplendor que se irradiava até a última de Suas criaturas, e essas, aspectos luminosos do palpitar Daquela Luz, vibravam na Harmonia Infinita, elevando gemas de incomparável pureza até ao Supremo Centro do Bem.
E tudo era puro, no tempo dos tempos, até mesmo as trevas infinitas, que com seu aveludado manto recobriam o mistério dos abismos siderais, porque também eram parte do Infinito Corpo de Deus e nenhuma culpa havia tido princípio.
Iniciou-se, assim, a adorante rota das refulgentes e translúcidas esferas dos bem-aventurados.
Em cada uma, inúmeras essências angélicas flamejavam de amor pela Graça Perfeita que as tinham gerado, em uma pulsação a cujo confronto a mais ardente paixão humana é apenas um imperceptível arrepio de frio.
A onipotência do Pai fez surgir duas Fôrças, que acima das outras participavam de Seu incomparável fulgor: LUZ e MICKAEL.
E o Pai, Luz e Mickael refulgiam, irradiando bem-aventurança às centelhas que os adoravam.
À Luz, entregou o Pai o governo das esferas angélicas.
A Mickael confiou a missão do Seu serviço direto, além da de Chefe dos Arcanjos e de coadjutor da obra de Luz.
Sete, com Mickael, eram os Arcanjos que se regozijavam na adoração ante o resplendente trono de Deus: Gabriel, Rafael, Anael, Azaziel, Azaquiel, Uriel.
Na pureza incontaminada de sua essência, partícipes da infinita luz, as legiões angélicas, na celeste rosa, felizes de existirem, cantavam hosanas ao Criador, fitos na contemplação do indizível esplendor da Mente Suprema.
Na sua missão, Luz perpassando entre as refulgentes gemas da rosa angélica, recolhia as humildes preces, o puro perfume das essências espirituais, trescalantes da absoluta devoção, da alegria perfeita que emanava do seu adorante amor, e os elevava aos pés do fulgurante trono do Pai.
Certa vez, porém, no esplendor de seus voos, Luz retardou por um instante o seu rápido perpassar de esfera em esfera, como se a sombra longínqua, apenas acenada e fugaz, de um desejo, o atraísse repentinamente ao abismo que circundava o luminoso Centro Infinito.
Puríssima essência, emanada da Excelsa Chama Divina, participe daquela Infinita Potência em ação, superior a toda expressão quando assumia os aspectos peculiares ao Absoluto e ao Eterno, nada, fora do Imaculado Esplendor Criador, devia atraí-lo. Todavia, imperceptível, quase inadvertidamente, o reverente temor que o arrastava aos confins misteriosos do nada diminuía, superado por um desejo cada vez mais premente e ansioso que maculava o esplendor original.
A escuridão eterna daquele abismo, insondável mesmo à sua potência, atraia-o irresistívelmente.
Milênios, como anéis desenlaçando-se em uma cadeia sem fim, como pausas ritmadas de um eterno fluir, sucederam-se a milênios, como o bater uniforme da onda que no eterno movimento se afasta e retorna com a voz e essência imutáveis.
Por um tempo longuíssimo lutou Luz contra a ânsia de mergulhar naquela treva abismal, onde sentia vibrar o infinito mistério de Deus, até que o mórbido fascínio da curiosidade o venceu, impelindo-o a transpor a zona resplendente e a profanar aquele espaço que o Pai lhe havia proibido.
Esquecido da alegria indizível da amorosa fusão na infinidade da Graça Geradora que, no Seu ardor, acalma toda ânsia e sacia todo desejo, penetrou no cobiçado mistério.
O sentimento de apreensão que experimentou, transpondo o vedado limite insondável fê-lo deter-se, apesar do aguilhão da curiosidade, ante a imensidade de sua audácia.
Às suas costas, o e4splendor amoroso da Chama Paterna e a felicidade, na harmonia de luzes e de cores, dos bem-aventurados vibravam na distância. Êle estava só no tenebroso silencio; só na escuridão profunda que à sua frente lhe fugia, quase temerosa de ser violada pela sua luz.
Mas a consciência de seu esplendor, que parecia crescer à medida que avançava, tornava-o orgulhoso e o encorajava.
Naquelas trevas ele resplandecia, como nunca, de inusitado clarão e as sombras fugidias que, ao alcance de suas emanações resplandecentes, se retraiam quase inclinando-se humildes e convidativas, ofereciam ao seu orgulho nascente maior incentivo para desenvolver-se.
Esquivo e convidativo, o infinito reino da sombra, desconhecido e proibido, estava à sua frente quase na expectativa de um Fiat novo e maravilhoso; e ele sentiu-se, na treva, como transmudado em um centro luminoso.
Assim, o orgulho apossou-se dele e o inebriava como o eflúvio de um aroma proibido e perturbador.
Sua luz refulgia vitoriosa no reino da treva infinita: “ por que não poderia parar para reinar e dominar” ? E ao orgulho se juntava, insidiosa, a soberba, incitando-o à revolta contra a proibição de superar o limite interdito. Mas esse estimulo doloroso tinha o poder de sacudi-lo, e ele ressurgia das trevas à pureza incontaminada e feliz do Fulgor Paterno, angustiado e taciturno.
Milênios e milênios decorreram ...