O evangelho da Meia Noite
o lado de lá
Luz apagada, velas e charuto acessos. Uma boa conversa entre amigos de longa data, que se conectaram um pouco tempo, porem compactuam de muitos gostos semelhantes. Frequentaram por muito tempo os mesmos lugares com interesses e prioridades diferentes, em busca de coisas diferentes, afinal, nosso conceito e visão linear do tempo muda e muito a percepção e as prioridades. Pessoas semelhantes sempre acabam por se conectar direta ou indiretamente. Por razões pouco conhecidas a nós que pouco entendemos sobre a lei de causa e efeito, certos caminhos se cruzam.
Caminhos cruzados, velas e charutos acessos, cá estamos nós!
- Laroye Sr. Meia noite, meu velho! - saudei-lhe respeitosamente.
- Como você está moço, está bem? - me perguntou com seu jeito peculiar de sempre.
- Tudo bem com o que está bem, tentando corrigir o que não está!
Ele gargalhou! Continuei meu pensamento - e pensando bastante sobre o lado de lá, de vocês espíritos.
- Eu sei que tem pensado. Mas para ter uma resposta certa, tem que saber a pergunta certa. E nem toda resposta certa é a resposta que agrada o entendimento de vocês. Eu te pergunto moço, já sabe a pergunta?
Refleti um pouco nas suas palavras. Será que eu sabia a pergunta? O que eu queria saber de fato?
Meu pensamento foi interrompido por outra gargalhada.
- O lado de lá é igual ao lado de cá.
Uns estão fodidos, outros estão bem. Uns construindo impérios, outros perdendo tudo. Uns vivendo em sociedades evoluídas e bem abastecidas e outros vivendo na merda. O lado de lá e o de cá são a mesma coisa. A diferença é a faixa de vibração. Os dois lados estão conectados, um interferindo no outro, gerando informação e evolução. Todo aprendizado de uma consciência é o aprendizado de todos.
Deu um trago no charuto e calou. Sempre é difícil diferenciar ele está aguardando uma nova pergunta e quando está "recebendo" informação.
- Pode perguntar moço, não estou conversando com ninguém! - concluiu gargalhando. (As vezes me esqueço que ele está na minha cabeça o tempo todo).
- Meu velho, não consigo entender essa organização, a forma como as coisas funcionam. Principalmente em relação a essa troca do lado espiritual com o nosso lado. Por que estou aqui falando com o Sr. e não com o Sr. Tranca Ruas, por exemplo?
- Porque somos semelhantes em todas as faixas que vibram uma consciência. A essência do seu Eu, da sua personalidade, te conecta melhor a esse mistério, que sou eu. Entender os símbolos que representam a falange ao qual eu pertenço falar mais de você do que de mim.
Porque no final, não existe nada disso. Nem tu, nem eu, nem Meia Noite, nem porra nenhuma. - a gargalhada que se seguiu após esse argumento dele foi a mais e estridente.
Eu nunca tinha analisado dessa maneira. Realmente, faz muito sentido analisar cada entidade por trás no seu nome uma energia e símbolos que o relacionam a todas as outras que carregam seu nome.
Esses símbolos podem ser lidos e compreendidos de diversas maneiras em diversos graus, e todos serão corretos, porque cada pessoa vai manifestar aquilo que sua mente entende.
- Teve um bom raciocínio moço! É mais ou menos esse caminho ai! - disso em um tom amigável e um pouco sarcástico.
- Mas e a mecânica da coisa? Pára...
- Receber espírito? - me interrompeu concluindo meu raciocínio.
- Sim!
- Moço, nem material para elaborar essa pergunta, vocês encarnados, em grande maioria, tem.
No entendimento de vocês, existe divisão em tudo. Porque aqui tem a polaridade. Tudo para vocês está quente ou frio, vivo ou morto, aqui ou ali.
Mas não é assim que funciona! Tudo é e não é ao mesmo tempo, tudo está e não está ao mesmo tempo.
Tudo está dentro e fora ao mesmo tempo. Quanto mais material se tem dentro, mais se manifesta o que está fora. O que está vibrando do lado de dentro vai atrair o semelhante que está do lado de fora, porque fazem parte de um único todo. Tudo é parte de algo maior, mas igual ao menor em essência. Do primeiro gato preto veio todos os gatos pretos, do primeiro gato branco, todos os brancos. Mas o gato rajado, existe pela união do preto e do branco. Mas sua parte preta, veio do preto, sua parte branca veio do branco. Tudo que forma todas as coisas tem uma forma primeira.
- Você está querendo dizer que...
- Que espírito é espírito. E o que é espírito é uma coisa só. O conhecimento de um é o de todos, mas cada um só manifesta o conhecimento dentro do material que tem, dentro da vibração que está.
Se tu quer saber sobre o outro plano da vida, mas acredita que os malvados vão pro inferno, tu vai mudar sua vibração, vai acessar um plano polarizado, onde tem consciência no paraíso e consciência no inferno. Porque essas realidades existem no plano astral pois são alimentadas na matéria. O corpo físico de vocês é o maior combustível, porque tem muita coisa pra queimar. Minerais, vegetais e animais. Toda essa informação está em forma de energia em cada célula do corpo de vocês. E trocam por uma casa pra vocês vocês do outro lado.
Mas a hora já esta avançada e eu preciso correr minha gira. Mas acredito ter deixado bom material pra você refletir.
- Sim meu velho, como sempre!
- Então fique com essas palavras e até a próxima vez. - soltou sua gargalhada e sua energia se dissolveu no ar.
Realmente tinha muito material para processar, a oportunidade de registrar essas palavras me controlava condição de ler e reler e refletir sobre isso.
Laroye Sr. Meia Noite. Exu Omojubá!
O necromante
Ele sacou seu punhal e riscou um desenho no chão enquanto rezava algumas palavras em sua linha. Logo um segundo zumbido , menor que o o primeiro, surgiu do meio das árvores seguidos por fachos de luz vermelhas. Logo percebi que o mesmo desenho que meu companheiro havia se formado em torno de toda a estrutura, mergulhando a antiga igreja e todos os gigantes de pedra, que começaram um a um cair no chão, até não restar nenhum em pé.
- Caíram como mágica! - rio ele.
- Não pensei que seria tão literal.
- Esses seres não são mais desse mundo. Só precisei abrir um portal para levá-los de volta pro seu novo lugar. Como os rastros que vim seguindo do necromante mostraram que ele faria um ritual aqui, só precisei me antecipar riscando os sigilos nas árvores.
- Por isso sumiu do acampamento alguns dias atrás então. Está explicado. - conclui meu raciocínio .
Seguimos nos esgueirando até a antiga estrutura , enquanto ouvíamos o zunido cada vez mais agudo e perturbador. Era provável que ele tivesse percebido a magia do Mangueira, mas o ritual que estava fazendo não poderia ser interrompido ou perderia todos os sacrifícios que fez nos últimos dias. Aldeias e mais aldeias pereceram diante da sua ambição.
Já dentro da estrutura , muito danificada pelo tempo, como era de se esperar, encontramos muitos servos mortos vivos, esses menores, com formas semelhantes a seres humanos. Não foi difícil perceber que eram gouls. Entidades vampíricas que tiveram suas almas sugadas, porém diferentes de um vampiro comum, esses não possuem vontade própria, nem iniciativa. Atacam tudo que se movimenta apenas com o intuito de se alimentar. E bem, estamos nos movimentando, logo, nos tornamos potencial alimento.
Estávamos agora em um enorme corredor repleto de portas, algumas pareciam fechadas com movimentos violentos por detrás delas, outras estavam abertas ou com suas portas completamente destruídas por onde nossos mais novos inimigos rastejavam famintos em direção a nós. Não era mas tempo de ser cautelosos ou silenciosos, até porque nossa presença já havia sido sentida é percebida tanto pelo necromante quanto pelos servos vampiros.
Saquei minha espada com a mão direita e com a esquerda arremessei firmemente a extremidade do meu chicote em uma viga de madeira que cortava todo o corredor. Com o chicote bem preso, lancei todo o peso do meu corpo para frente, me balançando na direção de uma dúzia de soldados zumbis enfileirados bem a minha frente. Antes de chegar ao chão , com um rápido e preciso movimento de minha espada, vários corpos já estavam caindo no chão em pedaços . Antes que pudéssemos nos dar conta, eu e meu companheiro já estávamos sob uma pilha de corpos no final do corredor, de frente a uma porta grande, que parecia selada por magia negra, porém eu e meu companheiro já sabíamos exatamente o que fazer:
Cada um de nós se posicionou a frente de uma das extremidades da porta, com nossas espadas fixadas com a ponta no chão bem a frente dos nossos corpos, rezamos ao mesmo tempo:
"Que em meio as trevas, brilhe sua luz, que nossas espadas sejam sua irá "
Enquanto rezávamos , a estrutura da porta começou a tremer e um novo som estridente e intenso começou a preencher o ambiente. Logo a porta cedeu, revelando uma imagem aterrorizante :
O necromante estava no centro de um círculo mágico, reluzindo em vermelho e espalhando fachos de luz por todo o quarto. Em volta dele, corpos acorrentados de pessoas em agonia, com seus rostos em estado catatônico, provavelmente pela dor a que foram expostas.
Sem que tivesse tempo de me recuperar da cena horrendo que estava vendo, fui surpreendido por um facho de luz verde que saiu das mãos do necromante em direção a mim. Por questão de centímetros não fui atingido. Uma magia negra com aquele poder, seria meu fim sem dúvidas.
- Não tem como vocês impedirem o que está para acontecer. - gritou o necromante atirando contra nós várias magias como a primeira.
Eu e meu companheiro nos direcionamos cada um a uma direção, circulando a sala ao redor do feiticeiro, buscando dificultar que os fachos de energia que lançava contra nós nos atingisse. Só um ataque combinado poderia nos ajudar pois o poder e destreza do necromante eram muito grandes.
Observei que, bem no centro do cômodo , acima de sua cabeça , havia uma estrutura de madeira, provavelmente que dava sustentação ao antigo quarto.
Era minha melhor chance.
Corri em direção o necromante no centro da sala, utilizando minha espada para repelir os ataques de luz verde florescente que se me atingissem em cheio, sem dúvida seriam meu fim.
Vi que por detrás do nosso inimigo, meu companheiro fazia o mesmo , dirigindo-se a ele com a espada brandindo .
Em um movimento giratório me desviei de um raio luminoso arremessando mais uma vez meu chicote bem acima da cabeça do monstro , encontrando firmeza na coluna de madeira que havia visualizado anteriormente. Antes que alguém pudesse fazer algo já estava flutuando no ar, o que levou o necromante a direcionar todas as energias em um ataque maciço na direção do meu companheiro, que foi atingido em cheio pelo ataque, restando apenas sua capa, caída no chão com chamas verdes a consumindo.
Sem tempo para me lamentar, direcionei a lâmina da minha espada em meu alvo, ele não teria tempo de se esquivar, o sacrifício de meu companheiro não seria em vão.
Tudo estava mostrando que venceríamos. O necromante estava ali, a centímetros da ponta da minha espada, nada poderia livra-ló de mim. Até que, em um reflexo rápido como de um gato, em um movimento que levou no máximo milésimos de segundos, o maldito se desviou, coisa que só percebi quando já estava caído bem a sua frente, com minha espada cravada no chão .
- Parece que sua luta termina hoje , irmão - disse o necromante com uma chama verde intensa surgindo de suas mãos .
Era meu fim, estava totalmente fora de combate. Pensei em tudo que tinha vivido até chegar aquela situação. Pensei em todo caminho em busca da evolução, em busca de me redimir de todos os erros cometidos na outra vida. Quando meus pensamentos foram interrompidos pelo som família de pele se rasgando e senti o sangue quente espirrando em meu rosto.
- Não é só você que sabe truques, seu desgraçado!
Lá estava ele, meu companheiro Mangueira, por detrás de nosso inimigo, com sua espada cravada em seu coração.
O Monstro lançou um grito estridente que tremeu toda estrutura e seu corpo entrou em chamas em uma explosão de luzes.
Em segundos só restavam cinzas.
- Essa foi por pouco. Já estava planejando como iria avisar nossos companheiros. - falei ao meu aliado , aceitando sua mão estendida para me levantar do chão .
- Ainda te falta fé , meu amigo. - disse meu companheiro soltando uma gargalhada.
- Pelo menos agora, acredito que poderemos descansar um pouco, não é mesmo? - perguntei esperançoso.
- Essa ameaça , por enquanto, nós vencemos. Mas surgirão mais como ele, com o mesmo propósito.
- E que propósito é esse afinal? - perguntei com muitas outras perguntas na minha mente.
- Por hoje vamos voltar pras nossas casas companheiro, essa é uma história pra outro dia.