A FLECHA DE OXOSSI
UM LUTADOR
Seu Antonio ajoelhou-se perante o altar, as imagens dos orixás pareciam mudas naquele dia, estáticas. Seu coração apertado de solidão e angústia não via sentido naquele ato que tantas vezes repetira desde que montara o altar. Mas agora era bem diferente de todas as outras vezes, o axé parecia que tinha sumido dali, seus orixás deviam estar distantes, talvez até abandonado o altar para acudir, quem sabe, um outro filho mais necessitado e mais digno.
Ele sabia que havia errado, sim, e por isso sua vida nos últimos tempos se tornou aquele inferno. Joana Maria, a vidente, lhe dissera que a lua na asa dois de seu signo indicava um inferno astral, e que o melhor a fazer era esperar aquela fase passar e depois tudo se resolveria naturalmente. Porém a tal fase estava demorando a passar, nada parecia fazer sentido.
A mulher que tanto amava estava indo embora com as crianças, o chefe no trabalho exigindo maior produção quando ele já dava tudo de si, e ainda por cima as contas se acumulando com os boletos de prestação no fundo da gaveta. Mas o pior mesmo nem era tudo isso, o mais ruim era esse sentimento de angústia e solidão apertando seu coração. Parecia que alguém fizera mandinga para ele, ele tinha quase certeza disso, e por isso estava com medo; medo de tudo, até de sair na rua.
Os problemas foram aparecendo assim, devagarinho, entrando como um visitante que não quer nada, foi se instalando e trazendo outros problemas consigo, e quando percebeu eles já haviam tomado conta da casa e mandado a alegria embora.
Todos lhes viraram as costas, os parentes, os amigos e até os orixás, agora imóveis no altar, também abandonaram suas imagens e partiram para outras tarefas mais importantes.
Mesmo assim seu Antônio ajoelhou-se e começou sua reza pela Ave Maria, o coração apertado e vazio de alegria não o deixou terminar, não havia ânimo nem para terminar o sinal da cruz. Resignou-se a permanecer ajoelhado perante o altar por um tempo.
Levantou-se e ficou a olhar as imagens no oratório no canto da parede, especialmente construído num momento de muita fé e esperança.
Perguntava-se em pensamento, onde estariam agora, por que não ajudavam um filho necessitado.
Olhou fixamente para a primeira imagem, a de Iemanjá, com seu manto azul, nada. Depois para a segunda, de Oxalá, todo de branco, nada. E assim seguiu a terceira, Iansã e sua espada sempre em punho, também nada. No meio do altar encontrou Oxóssi, o orixá das matas com seu arco sempre esticado e a flecha sempre pronta para disparar. Seu Antônio chegou mais perto para ver os detalhes da imagem, reparou que ele tinha uma espécie de capacete de carcaça de águia, chegou mais perto, quase encostando a cabeça na imagem.
Foi aí que aconteceu: a flecha de Oxóssi disparou e acertou a testa de seu Antônio entre os dois olhos, um pouco acima deles. O velho se afastou apenas um pouco para trás, a seta entrou direto e permaneceu lá.
Seu Antônio olhou de novo a imagem de Iansã ao lado, agora ele ouvia a rainha dos ventos; ela lhe dizia com voz de guerreira: - Lute! Lute com todas as sus forças, eu estou aqui para lhe ajudar, conte com minha espada, mas lute!
O velho voltou novamente os olhos para Oxóssi; o chefe dos caboclos lhe dizia serenamente: - Lute com inteligência, saiba quem é seu verdadeiro inimigo, meu arco está a seu serviço.
O velho olhou para Ogum, do lado direito de Oxóssi; o guerreiro do ferro lhe disse em tom de ordem: - Lute com coragem! Vença seu medo, seu medo é seu único inimigo. Minha armadura está à sua disposição.
Oxum, no canto direito do altar, lhe disse suavemente: - Olhe-se no espelho antes de lutar. Veja quem é seu inimigo, se o medo está em você, a luta também é contra você mesmo. A força de minhas cachoeiras estão aqui para lhe ajudar nessa luta.
Iemanjá, com sua cálida voz de sereia, lhe disse: - Nessa luta, as forças de minhas águas estão aqui para lhe limpar e lhe dar coragem, guerreiro. Mergulhe profundamente nessa energia, sinta essa força em você.
Com o coração já dando sinais de alegria novamente, olhou para Oxalá, que, em tom benevolente de grande Pai que é, disse: - Quando um guerreiro se propõe a lutar, em seu coração ele já venceu o inimigo. Meu escudo está aqui para lhe proteger, não há o que temer.
Seu Antônio ajoelhou-se novamente, com a testa encostada no chão, agradeceu em prantos as orientações dos grandes Orixás. Levantou-se ainda banhado pelas lágrimas, mas com o coração aliviado e cheio de esperanças, parecia que os incômodos visitantes tinham desaparecido para sempre dali e a alegria voltado à sua casa.
Antes de sair, olhou ainda para a imagem de Pai Tomé, separada dos Orixás num degrau mais abaixo do altar. Perguntou a este em pensamento: - E o senhor, não vai me dizer nada?
O velho, sentado em sua pedra e com seu cachimbo na mão, apontando para o alto, na maior das tranquilidades, apenas lhe disse:
- Confie neles, tenha fé.