segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Demonologia – Parte III : Os Caídos

 

Demonologia – Parte III : Os Caídos


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“Inda que seja no profundo Inferno:
Reinar no Inferno preferir nos cumpre
À vileza de ser no Céu escravos.”

-Lúcifer em “Paraíso Perdido”, por John Milton

Uma parte importante da Demonologia Judaico-Cristã remete as famosíssimas criaturas conhecidas como ‘Anjos Caídos’. Segundo a doutrina e a mitologia com base judaica, estas entidades teriam sido os mais poderosos Arcontes de YHWH, as mais brilhantes Estrelas do céu, que tendo recusado permanecer em posição de servitude ao Paraíso, teriam atirado-se para baixo. Existem uma infinidade de Anjos Caídos – apenas na Primeira Rebelião, Lúcifer arrebanhou consigo um terço dos Anjos do Céu. Aqui, analisaremos dentro de um contexto muito voltado para o Gnosticismo as duas Rebeliões presentes na mitologia cristã e usadas como base para o Gnosticismo estabelecer suas análises espirituais – as quais também observaremos.I) A Primeira Rebelião: Lúcifer, Estrela da Manhã

Esta é a mais famosa revolta da mitologia, sendo apresentada a nós no Antigo Testamento, na Gênese.  Nos é narrado que Samael, a “serpente do Éden”, apresenta a mulher Eva ao fruto da Árvore da Vida, causando assim a desgraça da humanidade. No Islamismo, Íblis, o Djinn de fogo (que já analisamos aqui), é expulso por desobedecer a Allah, recusando-se a curvar-se perante os homens de barro.

Aqui há uma consideração interessante: Samael, cujo nome significa “Veneno de Deus” é um Anjo da classe dos Seraphins. A palavra “Seraphin” significando “Serpente Flamejante/de Fogo”. Entretanto, a palavra “Lúcifer” jamais foi utilizada para se referir ao “Primeiro dos Caídos” até a Idade Média.

O famoso trecho de Isaías 14 nos diz:
Como caíste desde o céu, ó  style="box-sizing: inherit; text-decoration-line: underline;">Lúcifer, filho da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações!
E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte.
Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo.
E contudo levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo.
Os que te virem te contemplarão, considerar-te-ão, e dirão: É este o homem que fazia estremecer a terra e que fazia tremer os reinos?
Que punha o mundo como o deserto, e assolava as suas cidades? Que não abria a casa de seus cativos?
Todos os reis das nações, todos eles, jazem com honra, cada um na sua morada.
Porém tu és lançado da tua sepultura, como um renovo abominável, como as vestes dos que foram mortos atravessados à espada, como os que descem ao covil de pedras, como um cadáver pisado.
Isaías 14:12-19

Originalmente, o texto em hebraico possuía no lugar da palavra “Lúcifer” o termo “Heliel ben Sachar”, expressão que significa algo aproximado a “O brilhante, filho da Luz”. Era um termo que se referia a Estrela da Manhã, nada mais que o planeta Vênus. Foi uma metáfora utilizada para profetizar a queda de um arrogante imperador, que dizendo ter o maior dos reinos, foi assassinado e enterrado sem prestígio em um “Sheol”, uma sepultura sem nome e sem honrarias. A palavra “Lúcifer” é uma aglutinação de “Lux Ferre”, “Portador da Luz” em Latim, tentativa de traduzir para a língua latina aquilo expresso pelos hebreus. Não é um ERRO de tradução, mas uma ADAPTAÇÃO linguística e de contexto.

Esta foi a base usada na Idade Média para a confecção do personagem de Lúcifer como sendo um Anjo Caído e maligno. Anteriormente a isso, a figura de Lúcifer no Gnosticismo Grego aproximava-se da figura de Prometeus, o titã que rouba o fogo dos Deuses e é punido por conceder tal conhecimento a humanidade. Sua figura gnóstica também teve influência do romano Phosphorus, deus solar que trazia o amanhecer e não possuía nenhuma conotação de obscuridade até a Idade Média.

Na teologia manualística da Idade Média, houve necessidade da criação de um “mal personificado”, que encontramos na figura de Lúcifer, Estrela da Manhã. Na era das Trevas, Lúcifer conhece a obscuridade. Os teólogos e demonólogos o relatam como sendo um Decaído da classe dos Querubins, normalmente manifestando-se como uma criança enraivecida e mimada, mas de grandiosíssimo poder. Essa descrição é presente em textos como o Grimório Verum e o Grand Grimorium, bem como nos tratados de De Plancy posteriormente.

A mitologia que nos inspira atualmente provém da literatura renascentista. John Milton e Dante Alighieri em seus tratados falam de Lúcifer também como um ser decaído. John Milton vai além e o retrata como um anti-herói em sua epopeia “Paraíso Perdido”, uma narrativa Épica da luta de Lúcifer contra Deus. Esse talvez seja o tratado mais influente dentro do ocultismo, retratando a morada do Pandemônio, a Grande Queda e o exército dos Anjos Caídos em detalhes magistrais.

Mas e para o Ocultismo, o que seria Lúcifer?

“Lúcifer” é o cargo de “Lux Ferre”, “Portador da Luz”. É uma energia anti-demiurgica de rebelião, de revolta, de busca pelo fruto de Daath, pelo Conhecimento, que se manifesta não em uma mitologia judaico-cristã apenas, mas em inúmeras facetas, como em Ahriman, Phosphorus, Eósphorus, Prometeus, Iblis, Samael, Azazel (que veremos a frente), entre muitos outros arquétipos de seres de Luz que são derrubados de sua posição e conhecem as profundezas mais negras do Abismo – se reerguendo novamente a alturas ainda maiores que a anterior, fundando uma filosofia de vida onde seus Adeptos devem seguir igual exemplo de queda e ascensão.

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II) A Segunda Rebelião: Azazel

O Livro de Enoch, texto apócrifo (não-doutrinário) da bíblia nos descreve o real motivo para o dilúvio que varreu a Terra da existência humana na época de Noé. Neste mito, Azazel, Daniel e Samyaza, três poderosos Arcanjos apaixonam-se pelas filhas dos Homens. Desobedecendo a Deus, eles três lideram uma rebelião envolvendo 200 Anjos que se atiram para o mundo dos Homens. As mulheres não resistem a beleza dos Arcontes e copulam com eles, gerando filhos que são abominações aos olhos de Deus – os gigantes Nephilim.

Os Anjos ensinam a seus filhos híbridos suas artes da Forja, da Maquiagem, da Sedução, da Retórica, das Lutas corporais e dos duelos com lâminas. Alguns grupos gnósticos afirmam que a centelha dos Arcontes Caídos ainda permanece em alguns indivíduos de extremo valor ou superioridade intelectual/física na humanidade, gerando indivíduos de grandes habilidades e destaque em determinadas áreas, como na retórica, na magia/espiritualidade ou nos esportes.

Azazel e seus companheiros recebem uma punição extrema, sendo acorrentados em grilhões de diamante e deixados para arder no plano desértico denominado “Deserto de Dudael”.

Apesar de seu triste fim, os Hebreus possuíam um importante ritual, agora considerado como Herético, onde um bode branco era ofertado a YHWH e outro bode, um negro, era acariciado pelos Hebreus que “depositavam nele seus pecados” e o enviavam ao Deserto, para que vagasse até morrer sob o sol. Esse bode, acreditavam, era um ofertório a Azazel, para que este consumisse os pecados pelo bode expiatório (daí a origem do termo) e poupasse os Hebreus de sua Ira.

E tirará sortes quanto aos dois bodes: uma para o Senhor e a outra para Azazel.
Arão trará o bode cuja sorte caiu para o Senhor e o sacrificará como oferta pelo pecado.
Mas o bode sobre o qual caiu a sorte para Azazel será apresentado vivo ao Senhor para se fazer propiciação e será enviado para Azazel no deserto.
Levítico 16:8-10

Azazel, “A Força de Deus” é o líder da segunda rebelião. É descrito como um belíssimo Anjo, mas com chifres de Bode que brotam de sua fronte, e um olhar lascivo e maligno. É o Anjo que ensinou aos homens a arte de se maquiar e de seduzir.

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III) Magia Nephílica: Quando Angeologia e Demonologia se cruzam

A palavra “Anjo” vem do grego “Angelos” e do Arábico “Malak” significando “Mensageiro”. Enquanto os Anjos mais famosos são mensageiros de YHWH, para o Luciferianismo que preza pela liberdade individual, os reais Anjos são aqueles que portam as mensagens de conhecimento para a humanidade – os pais dos Nephilim.

Existe uma velha arte inspirada no Gnosticismo Herético que consiste justamente na união da Angeologia e da Demonologia – uma forma de adoração aos Anjos Caídos e aos espíritos dos Nephilim que agora habitam determinadas zonas do Astral. Não como “guias” para uma “verdade absoluta” ou emissários de um Deus, mas como portadores de conhecimento que rasgam os véus ilusórios do Demiurgo e conduzem a Iluminação buscada pelo Luciferianista.

É curioso observar que na Angeologia (descrita mais propriamente nos tratados de Dionísio, o Aerophagyta) os Anjos assim como os Demônios, são divididos em uma hierarquia muito própria e frequentemente possuem formas bestiais. Na Theurgia Goétia vemos Anjos mais malignos e perigosos que muitos dos Daemons ali descritos e manifestando-se em formas animalescas ou sangrentas.

Existem ainda os “Vigias”, os que habitam nas Torres, os Anjos Caídos que vagam na Terra e em outros planos além de Malkuth… uma infinidade de Decaídos espalhados, aguardando para serem relembrados. Eles são uma imensa e poderosa classe de entidades.

O trabalho Nephílico frequentemente é mais simples, embora mais dificil de ser realizado, que aquele demonólatra. Adoração a entidade é necessária, junto a uma extrema pesquisa. Obter o nome do ente e saber grafá-lo em Hebraico ou Grego é tão importante quanto traçar corretamente seu sigilo.

Não é o foco aqui me alongar mais em práticas, deixo que a pesquisa parta de quem se interessar. O acesso as Virtudes que eles portam só é obtido através de profundos estudos e esforço.

Que a partir desta explanação, que a memória dos Caídos seja lembrada pelos Adeptos que buscam este caminho…

Ba Nam I Âharman

Azi Dahaka

Bibliografia:

“Bíblia Sagrada”, ed. Vozes

“Apócrifo Livro de Enoch”

“Adversarial Light: Magic of the Nephilim”, por Michael W. Ford

“Pseudo-Dionísio, O Aerophagyta”

“Demonographya”, de Plancy

“Lemegeton”, a Chave de Salomão

“Grimorium Verum”

“Paraíso Perdido”, John Milton

[Todas as imagens pertencem a Wizards of the Coast, jogo Magic: The Gathering. Exceto a segunda, pintura de Natalia Gerasimenko]

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