segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Sabedoria de Umbanda - IV (final)

 

Sabedoria de Umbanda - IV (final)


A linha ou força de Oxalá, conforme já mencionei, é reverenciada e respeitada como a mais elevada. Nos candomblés, em jogos de búzios, quando os orixás não respondem ao consulente, pede-se especial licença para Oxalá dar uma luz, enviando assim uma caridade. Se ele responder abre-se um caminho, caso contrário o consulente não terá qualquer resposta naquele dia.

Mas as linhas de Umbanda não atuam como departamentos estanques e blindados, pois não é assim que se manifestam as forças da natureza. Há uma intrarrelação viva e atuante de uma linha para outra e trânsitos de entidades. As entidades de Umbanda, quando de suas manifestações de uma para outra linha, em regra geral se apresentam como caboclos ou caboclas, e suas origens são identificadas pelas posições do corpo quando chegam, andam ou dançam, por sinais das mãos e dedos, posições de braços e pernas, pelos detalhes nos pontos riscados, pelos seus nomes, pelos pontos cantados no terreiro que mais os fazem vibrar, - aos quais saúdam com característicos brados e posturas, - e por seus próprios cantos. Assim temos, caboclos ou caboclas de Oxalá, de Oxossi, de Xangô, de Ogun e de Oxun e das crianças quando aparecem como "caboclinhos das matas". Nas linhas de Oxun e Yemanjá ocorre algumas mesclas com yaras, sereias ou ondinas. As demais entidades possuem outras caracterizações especiais e podem assumir diferentes formas personificadas quando atuam em certas linhas.

A Umbanda detém muitos mistérios que as próprias entidades não têm permissões para revelar, senão em determinadas ocasiões e sob orientações superiores. Daí que as diversas correntes de estudiosos e praticantes parecem possuir somente pedaços de um mosaico que vão dando tratos e os juntando, a fim de montar o tabuleiro. O passado de Umbanda, como vimos, remete a continentes desaparecidos e a épocas anteriores aos tempos bíblicos. Com efeito, as diversas culturas continentais surgem na Umbanda através de entidades trazendo algumas características étnicas e conhecimentos diversos da magia.

As sete linhas ou forças que sigo: Oxalá, Yemanjá, Oxun, Ogun, Xangô, Oxossi, e Crianças, podem ser refutadas por quem prefira anotar umas em substituições a outras. Prefiro adotar estas representações como símbolos pelo fato de as linhas de Umbanda se constituir a partir de forças da natureza, com mesclas de categorias de espíritos que se manifestam com poderes psíquicos superiores.

A Umbanda não considera exu um orixá, conforme o consideram os candomblés, - e não pelo fato de entrar nessa categoria almas inferiores de humanos desencarnados tanto de nosso mundo dito civilizado quanto de povos primitivos. Isso talvez possa parecer contraditório, conquanto exu de Umbanda representar uma categoria especial de entidade.

Exu, na sua citação mitológica, não provém do mundo das almas, embora o situem com todos os defeitos humanos, o que é puramente falso. Exu, por definição geral e estereotípica, é um agente cósmico universal; está diretamente relacionado ao éter e se traslada pelos espaços com inteira facilidade e conhecimento, lembrando o mensageiro Mercúrio. Embora haja exu nos quatro elementos, ele não é produto dos quatro elementos da terra, mas domina sobre aqueles elementos. Na Umbanda deve obediência aos orixás maiores ou menores, sendo um trabalhador imprescindível nas demandas. Há outros mistérios sobre exu, e ao contrário das lendas, seus poderes também são limitados aos trabalhos que lhe são mandados realizar, havendo uma escala evolutiva onde se situa de acordo com o que saiba realizar e sua competência. No entanto, a Lei de Umbanda materializa-se segundo todos os preceitos e regras que se voltam unicamente para o bem e a caridade. Contudo existir práticas de magia e mediunismo se utilizando dos recursos mágicos de exu para realizar tanto o bem quanto o mal, estão associadas a outros interesses, portanto nada tendo a ver com Umbanda embora se identifiquem como tal. E nem vou aqui traçar uma linha divisória entre a chamada Umbanda branca e a não branca, porque Umbanda é somente magia branca, - mais uma vez enfatizo, - não havendo qualquer possibilidade de um amálgama com outros tipos de magias e continuar sendo Umbanda.

Sobre pretos-velhos, não os relaciono numa linha de orixás, porque não são de fato. Pretos-velhos simbolizam a aplicação das leis da magia através do conhecimento e iniciações em qualquer cultura. As entidades caracterizadas em pretos-velhos trazem com elas as manhas e artifícios que podem mudar situações, no entanto não podem avançar sobre determinadas forças da natureza sem invocar o auxílio dos orixás que incorporam os quatro elementos e principalmente exu. Mas o saber das leis da magia milenar confere-lhes autoridade na Umbanda, e, de acordo com suas conquistas na hierarquia, comandam falanges de trabalhadores das mais diversas categorias. Pretos velhos nos candomblés são considerados eguns, pelo fato de nascerem e renascerem nos processos evolutivos naturais como todas as almas humanas.

A linha de crianças atua sobre o psiquismo dos médiuns e consulentes, mas de forma diferente de Xangô. Crianças nas posições mais elevadas da linha, jamais foram humanas, jamais encarnaram na Terra, e pertencem a uma categoria de espíritos puros chamados comumente devas, assumindo posturas infantis. Nas camadas mais inferiores da linha desses orixás especiais, podem existir almas humanas infantis, e existem de fato, mas incorporam em seus corpos astrais os princípios da pureza e qualidade psíquica com que caracteristicamente a linha trabalha. Crianças como orixás de Umbanda é outro de seus mistérios mais instigantes. Com tudo isso, possuem, ademais, poderes extraordinários também nas demandas.

Podem os estudiosos estranhar que Oxun e Yemanjá não sejam aqui consideradas uma só linha, pois representam a água. De fato, são forças do elemento água, mas há grandes diferenças entre a água doce das nascentes, dos rios, lagos, poços e da chuva e a água salgada do mar. As caracterizações das entidades naturais da água diferem em ações nos trabalhos de magia, quando ao transitar de uma linha para outra vêm atuar nas areias das praias, à beira mar, no raso ou fundo dos oceanos e nos rios. As matérias inorgânicas, os seres vivos e os elementos transformados quando interagem com as águas astrais nas aplicações da magia se diferenciam enormemente nos seus resultados, tal como acontece com as influências dos astros sobre diferentes elementos. Portanto, há diferenças que justifiquem duas linhas de orixás nas águas.

E como sabem os umbandistas, Oxalá representa o Pai, o comando hierárquico maior e o elemento ar. Yemanjá e Oxun representam o elemento água; representam tanto a mãe, quanto as forças femininas que se contrapõem principalmente ao fogo. Ogun é do fogo, dos metais e da guerra. Xangô também atua com autoridade sobre o fogo, metais e na constituição das ações de justiça, tanto quanto na assistência psíquica aos homens. A pedreira é, da mesma maneira, seu princípio material de ação e autoridade na Umbanda. Oxossi é das matas, da terra e de tudo o que se relacione à natureza animal e vegetal sob cuja ação em sua área possa intervir.

As denominações das linhas e orixás na Umbanda, ainda detêm quase completamente os significados dos cultos primitivos nas morfologias e aglutinações de vocábulos. No entanto, essas representações em quase todos os casos já são associadas aos santos e heróis da igreja, o que não deve motivar ódio e nem indignação dos religiosos mais extremados. As qualidades dos santos e suas encarnações, como símbolos vivos dessas mesmas qualidades, não são originais da igreja, pois todas as suas representações foram assimiladas das culturas gnósticas da antiguidade, bem como seus rituais e liturgia. A missa católica em si mesma, e todos os sacramentos, foram tomados dos antigos, como a palavra “Amém”, que lhes serve de mantra, lembrando “Amon” dos rituais egípcios que também era vocalizado em mantra.

Quando afirmo que a magia comum, e a alta magia, não foram inventadas por nenhum povo isoladamente, mas vieram se desenvolvendo ou se apurando segundo diferentes culturas, da mesma maneira isso se aplica para o sincretismo religioso que os escravos nas senzalas cunharam a fim de não serem punidos pelos seus senhores. As mitologias greco-romanas, as nórdicas, eslavas, sumérias, egípcias, babilônicas, maias, astecas, chinesas e outras do mundo antigo, também não distanciavam as qualidades de seus deuses, semideuses e heróis umas das outras.

Assim, na Umbanda, podemos relacionar alguns sinônimos com os orixás principais e com aqueles que entram em suas linhas, reconhecidamente autoridades, como segue: Oxalá (Jesus), Yemanjá (N.S. da Glória), Oxun (N.S. da Conceição), Ogun (São Jorge), Xangô (S. Jerônimo), Oxossi (S. Sebastião), Crianças (S. Cosme e S. Damião), havendo ainda, como disse, Yansã (Santa Bárbara), Nanã (Santa Ana), Obaluaiê (S. Lázaro) e Omulú (São Roque).

Falar sobre Umbanda é infinitamente mais do que apresentei em quatro partes. Considero aqui consignada somente uma pequena e pobre homenagem. E realmente não foi nada mais do que isso, pois seria trabalho árduo e para centenas de páginas buscar transcrever uma visão um pouco mais aprofundada das práticas desse fantástico movimento coordenado pelos sábios e magos do espaço, - que para tantos é religião, - eivado de magia e riquezas culturais correlatas, o que sequer passa pela minha cabeça assim ousar num blog ou fora dele.

Rayom Ra

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