No município da Lapa, na Região Metropolitana de Curitiba, há um remédio sagrado para qualquer tipo de doença: as águas de São João Maria. Dores de cabeça, varizes, braços quebrados e outras enfermidades podem desaparecer com um copo de água de uma das bicas do Parque Estadual do Monge. O milagre é responsabilidade de João Maria de Agostinho, personagem religioso que percorreu os sertões do Paraná na segunda metade do Século XIX.
A Gruta do Monge, no entanto, não é a única fonte de água abençoada por um dos três representantes da entidade de São João Maria durante as décadas de 1850 e 1910. Um projeto ambiental da Petrobras realizou um levantamento, entre 2007 e 2009, de mais de 240 pequenos mananciais "santificados" espalhados por diversos municípios do sudoeste paranaenses. Os chamados Santos Olhos d'Água. A ação fez parte do projeto "Águas em Movimento", cujo objetivo era criar medidas socioeducacionais para preservar os recursos hídricos do estado. No entanto, o resgate da prática de devoção ao monge São João Maria acabou se tornando um dos principais expoentes do projeto - que ganhou o apoio de comunidades dos municípios de Pinhão, União da Vitória, General Carneiro, São Mateus do Sul, Paula Freitas, entre outros.
Três monges
O monge João Maria foi, na verdade, três pessoas diferentes. O primeiro, João Maria d'Agostinis apareceu em São Paulo por volta de 1848. Andava com vestes humildes, comendo pouco e sempre seguido por um grupo de devotos. Sua origem é incerta - "suspeita-se que era italiano, mas o povo não se importava. O seguia por todo canto", relata o historiador Eloy Tonon em "Águas do Monge" (2009), documentário de Anderson Leandro que registra as ações do projeto da Petrobras.
O segundo Monge, João Maria de Santo Agostinho foi o que circulou pelos sertões paranaenses. Foi quem passou cerca de três meses na gruta da Lapa tomando águas das bicas e pregando ensinamentos ao povo. Suas lições iam de conselhos espirituais às previsões do futuro. "A história que a gente ouvia dele está acontecendo. Ele falou que ia passar uma estrada muito bonita pela cidade e ela foi construída. Além disso, João Maria falou que um dia teria muito pasto e pouco rastro. E é o que está acontecendo hoje. Isso contam os mais antigos, não é do meu tempo", diz o agricultor Hermes Ferreira Franco, 75, no filme de Leandro.
Em sua peregrinação, o monge procurava repousar próximo às fontes d'água - daí a santificação do local. "Ele tinha um conhecimento muito grande sobre ervas. Ele receitava chás curativos de Carqueja, Erva de São João e isso, muitas vezes curavam dores de enfermos. Isso tudo para que o trabalho dele tivesse o valor e os olhos d'água se tornassem santos", conta Tonon. Em 1908, Agostinho desapareceu com a promessa de ressuscitar.
A expectativa de renascimento do monge facilitou a recepção do terceiro, e mais conhecido, José Maria - um dos principais responsáveis por incitar os sertanejos à revolta na guerra do Contestado. O líder religioso, ao contrário de seus antecessores que eram nômades, se fixou em Irani, centro do território disputado pelos governos do Paraná e Santa Catarina. Sem contar com a presença de uma religião institucionalizada, o messias encontrou no local um ambiente propício para pregações. "Era uma região em que não havia presença da igreja, logo a crendice popular era mais forte do que a religiosidade", afirma Fernando Cunha, professor de história da PUC-PR.
Com a expropriação de suas terras para a companhia Brazil Railway Company, os sertanejos abandonados pelo estado, recorreram ao monge José Maria para proteção. "O governo veio e tirou as terras do povo matuto. Eles estavam desolados quando apareceu aquele homem oferecendo a salvação. Acabaram sem ter escolha em quem confiar", conta Cunha. Após a morte do terceiro monge, em 1914, a guerra prosseguiu até agosto de 1916 - com boa parte dos matutos e, por conseqüência sua cultura, massacrada pelas mãos dos militares.
Fonte: http://rodolfostancki.blogspot.com/2010/02/as-aguas-do-monge.html