Exu Gargalhada é trabalhador operoso da falange comandada pelo Exu Sr. Sete da Lira, composta de entidades que foram músicos e boêmios cariocas atuantes nos Arcos da Lapa na primeira metade do século passado. São exímios conhecedores das mazelas humanas no campo dos relacionamentos afetivos, alegres e descontraídos, irreverentes e tocadores de instrumentos de cordas, que com suas toadas entre versos e cantos peculiares vão despertando e socorrendo os sofredores, instruindo-os nos ensinamentos de Jesus.
VALE A PENA LER!!!
O FIM DO MUNDO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
A paisagem que se descortinava aos olhos de Romeu, era bucólica. Tecida em fios e tons de amarelo pálido que se mesclavam numa escala cromática delicada que incluía marrons e avermelhados. As árvores, tingidas de vários matizes outonais sob o reflexo do sol de final de tarde pareciam cintilantes e de uma beleza divina. Fora um dia quente, entretanto a temperatura estava caindo e um sopro gelado subia do chão e se espraiava por entre o arvoredo, uma leve névoa começa a aparecer e aquele quadro vivo com certeza era obra de um renomado artista. Dando asas aos pensamentos ficou ele contemplando a natureza, da beira da estrada, onde podia divisar o vale rodeado de belas montanhas e um rio que serpenteava preguiçosamente entre as pedras. O outono chegara e com uma aragem gelada ao amanhecer e ao anoitecer. Era sempre assim no estado sulino e o povo daquela região gostava do colorido da estação e das temperaturas amenas.
Romeu se encontrava em uma rodovia que cortava o sul do país retornando de uma viagem de trabalho. Empregado de uma empresa de grande porte viajava de segunda a sexta-feira, inspecionando obras, instalações, equipamentos. O que lhe impunha permanecer em várias cidades diferentes por vários dias seguidos. Gostava da rotina que se estabelecera em sua vida, apesar de sobrar pouco tempo para a família. Mas apesar do desgaste e da estafa do serviço, as contas eram pagas religiosamente e a família tinha um bom padrão de vida. Não eram ricos, moravam num ótimo apartamento em bairro de classe média e os filhos frequentavam boas escolas. Dois filhos, um garoto e uma mocinha. Amava os filhos. A esposa trabalhava na mesma empresa e assim juntos mantinham as despesas da casa. A vida prosseguia apesar dos 15 anos de casados e das viagens constantes terem esfriado um pouco as relações do casal. Ela já não demonstrava a mesma compreensão e paciência iniciais e vivia ligando e monitorando as viagens do marido. Coisa que o desgostava. Era constrangedor. Também se queixava das fugas e ausências quando estava em casa e ele ficava alheio a tudo. Desligava-se e era preciso falar várias vezes e chamar sua atenção para que reconectasse novamente com a família.
Não era religioso, mas acreditava em alguma coisa, uma força que não sabia definir. E o motivo de parar na estrada foi a conversa que teve com os colegas durante o almoço. Não falavam de outra coisa, o assunto do momento era o fim do mundo. Alguns comentavam que leram ou ouviram que o mundo ia acabar antes do natal, no dia 21 de dezembro. Que não ia sobrar nada. Todos morreriam. Uma tragédia, alimentada pelos catastrofistas de plantão. Gente sem noção, que não se dá conta de que já morreu várias vezes e que por ser uma alma imortal, voltou tantas outras vezes, para continuar a sua caminhada. A vida não termina de um momento para outro. Pela nossa natureza divina continuamos a existir em outra dimensão, em outro plano. Sem mistérios, sem dogmas, sem sofismas. A vida não acaba com a morte, pelo contrário, continua de forma mais produtiva ainda, basta querer aprender e trabalhar em seu próprio despertar e ajudando os retardatários. Disseminando o que aprendemos. Semeando as luzes do trabalho e do esclarecimento nos sublimes mistérios de Jesus. Sem complicações, compreendendo as limitações dos outros, respeitando o tempo de cada um e acima de tudo sem esperar nada em troca. Cada um dá o que tem e não devemos criar expectativas de retribuição sobre eles. Cada um dá somente o que possui.
O assunto o deixara preocupado, não conseguia tira-lo da cabeça, era uma fascinação só. Não acreditava em vida após a morte porque não tinha noção de qual era o lugar para onde iam os mortos. E os filhos? E tudo que fizera até agora? Tudo que adquirira com o trabalho? E os filhos? A pergunta não saia de sua cabeça. E o natal que se aproximava como seria? O que esperar depois? E as viagens? Precisava voltar a três cidades onde praticamente tinha fincado raízes. Mas... e agora? Novamente a dúvida se instalou. E os filhos? Meus filhos?
Andava distraído e descuidado. Até a pasta da qual não se desgrudava e matinha sempre chaveada, ficou jogada ao lado da cama quando saiu para resolver uns assuntos na empresa, antes de viajar. E para seu azar a esposa viu e a curiosidade foi maior ao dar-se conta de que a pasta estava ali e aberta. Coisa rara de se ver. E com uma vontade enorme de descobrir o que ele mantinha a sete chaves, abriu a dita cuja. Documentos, plantas, contratos, agenda, cheques para pagamento dos empreiteiros e.... Seus olhos se arregalaram, as pupilas dilataram e ela precisou sentar porque os joelhos dobraram. As pernas perderam as forças. Leu o que jamais gostaria de ter lido. Certidões. Várias certidões de nascimento. Onze ao todo. Dos seus dois filhos e mais nove. O que significa isto? Quase sem forças continuou a remexer e descobriu que o marido, Romeu, tinha mais três famílias e três filhos com cada uma das mulheres. Uma em cada cidade diferente. E ao todo eram onze filhos. Por isto as viagens constantes. Por isso os finais de semana longe de casa. O cara fazia um verdadeiro malabarismo para atender as quatro famílias e as quatro mulheres. Era magro como um pau-de-vira-tripas. Não tinha sossego e quando voltava para casa só queria dormir. Aconchego que é bom nada. O homem não tinha forças e precisava repor as energias. E como fazia para sustentar a prole? Tomou uma decisão. Botou o Romeu para fora de casa com mala e cuia. Que fosse morar onde bem entendesse. Promiscuidade não era com ela. Se quisesse ter um harém era problema dele. E Romeu foi obrigado a sair. Que pepino meu. Estava enrascado e não sabia como aliviar a barra. Deixou-se levar ao sabor do destino que traçou no momento em que decidiu levianamente constituir quatro famílias. Para ele o fim do mundo chegou antes do natal. Muito antes. O mundo que criara para si desmoronou e tinha pela frente a incerteza, o desespero. A angústia de perder o amor dos filhos. Mas tinha tantos filhos. O cara era um reprodutor. Hoje derrotado, amargurado, colhendo os frutos de sua irresponsabilidade e forma descompromissada de levar a vida. Enrolou e explorou por tanto tempo aquelas mulheres e agora o que restava? O vazio diante de um futuro frágil, construído em um castelo de mentiras e ilusões.
Conforme Jesus nos instruiu - "O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância"-, devemos refletir todos os dias, não somente diante às datas festivas, quais os ladrões que podem estar roubando a nossa tranquilidade de consciência frente aos ditames das Leis Cósmicas? Quem "rouba-nos" o espírito e nos enreda na teia cármica são os eventos internos do nosso psiquismo, gerados pelo nosso entendimento equivocado, por ignorância da espiritualidade. Os episódios externos impressionam e amedrontam as criaturas primárias, sem religiosidade, sem evangelho internalizado. Em verdade nossos "dragões" internos são os ladrões que vem para roubar, matar, destruir. São nossos atos e ações, movidos pelos pensamentos e crenças ilusórias os genuínos salteadores de nossas almas, que "matam" o espírito alijando-o da abundância e prosperidade do Criador, destroem sonhos e enredos na vida física, gerando catástrofes dentro do impacto inevitável das Leis Universais que ditam que todo efeito a ser colhido no futuro tem uma causa geradora no presente ou no passado.
E você que leu este enredo, quantos filhos tem?!
Do que tens medo que possam te roubar???
Ah, ah, ah, ah...
Exu Gargalhada!!!*