quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Papo de Esteira





Papo de esteira é o espaço onde o abiã, o iaô e até mesmo o egbomi, tem para falar sobre assuntos do dia-dia do candomblé, e o assunto que vamos abordar hoje é a relação Pai e filho de santo.
Hoje não é mais estranho ver uma pessoa que se iniciou em uma casa e seguiu suas obrigação em outra casa, Porque isso acontece? Na maioria das vezes é um problema de relacionamento, sim relacionamento entre o filho e o pai de santo.


Opinião do Yaô


“Quando entramos em uma casa de santo, procuramos o desenvolvimento espiritual, conhecer o orixá, mas além disso procuramos carinho, e o que dá mais medo é saber o que fazer, pois tudo é novo, tudo é confuso e com isso muito zeladores não entendem, eu sei que cabeça de iaô não é fácil, mas eu acho que isso é o que mais afasta os iaô das casas, as chamadas “baixas” .

“Muitas vezes saímos das casas, por causa de um irmão de santo, pois existe o ciúmes dos mais velhos, e assim, quem vem de uma criação católica, cai no candomblé, não entendemos a hierárquica, e muitas casa de santo impõe essa hierarquia, e acaba tornando isso uma ditadura”.

“No mundo do candomblé, nos deparamos com frases como “não é a hora de você aprender” ou “é assim, porque é assim”, porque tanto mistério?, porque coisas simples são tão escondidas, se sou iniciado porque não posso saber, se amanhã me tornarei um Egbomi e aí como vou me comportar?”.


Pois essas são as questões que são mais apontadas pelos abiãs e yaôs, quando falamos sobre a mudança de axé, a maior questão hoje não é ter adeptos em uma casa de santo e sim mantê-los na casa de santo, a décadas atrás existiam poucas casas de santo, e era “feio” mudar de axé, como ainda existe esse conceito em casas tradicionais na Bahia, mas como em São Paulo e no Rio de Janeiro, cresce cada dia mais o número de casas de candomblé, a chamada concorrência é grande, e para isso temos que ter um grande jogo de cintura, como o tratamento ao yaô, vamos lá, o que é yaô, no contexto yorubá, yaô siginifica noiva de orixá, podemos trazer para um contexto mais simples, yaô é aquele que é preparado para ser um próprio altar vivo, aquele que carrega o axé, mas também ele é uma criança, e como toda criança tropeça muitas vezes antes de andar, por isso a  paciência é uma qualidade que todo zelador ou zeladora, tem que ter, outro ponto bastante apontado são as “baixas”, saber tratar as pessoas é tido como base da educação e vem de berço, apesar de ser seu filho-de-santo, você não tem poder sobre ele, sim é isso mesmo,os zeladores tem autoridade, que é bem diferente, porque o noviço respeita o zelador? Por que ele o iniciou, por ele transmitiu o axé, certo mas também não vamos esquecer que o yaô é um ser humano, e como esse, tem moral, tem sentimentos, e uma vez que você desmoraliza uma pessoa, mesmo que ele continue na sua casa de santo, você terá perdido o respeito, e respeito não é apenas o fato dele te pedir a benção ou colocar a cabeça pra você, e sim quando ele está longe de você, a admiração.


As baixas ainda geram outro ponto, o medo, não só dele como dos outros adeptos, que como todo mundo sabe, medo não é respeito. Por isso o mais indicado é que se chame o yaô no canto, com educação e firmeza e explique o que está acontecendo e tente ver o seu ponto de vista, e assim chegue a uma resolução.

Muitas vezes nos deparamos com pessoas que realmente não querem nada com a vida, que não sabem porque estão ali, e gostam de tumultuar, então nesse caso se a conversa não resolver, convide-o a se retirar, pois a frase “uma laranja pobre, apodrece as demais”, é puramente verdade no ambiente do candomblé. Fica aí então o recado e espero que isso ajude na administração de sua casa de candomblé, para os yaôs fica a mensagem: A casa de santo não é apenas a casa do orixá, é nossa casa também, onde está nosso coração está nosso tesouro!”

A amizade é saber escutar, é saber falar na hora certa, e é feita de uma coisa muito importante, a afinidade, sem afinidade não tem amizade, e nós do "santo", como falamos, temos algo em comum, o amor ao orixá, ninguém dentro da casa de santo, está recebendo salários milionários, estamos todos por amor.


Ter amizade com um irmão, não significa ficar fazendo fofocas, ou conchavos, temos que lembrar que: cada um é responsável por si, por isso ficar levando as dores do outro, ou até mesmo ficar de leve e trás, não vai fazer você ganhar nada com isso, apenas ficará sendo visto por um rótulo, ele ou ela não é confiável, agora quando a amizade constrói, fica muito legal, até mesmo nas "funções de santo", um ajudando o outro e assim, faz crescer o bem maior, que é "todos ali pelo orixá".

O convívio inevitavelmente vai trazer conflitos, isso você pode ter certeza, mas em nome dessa  chamada amizade, é só conversar, resolver, para que a casa de santo não se torne um ciclo de fofoca, para acabar com isso, atitudes simples podem mudar tudo: 

- Quando um irmão vem falar mal do outro, usamos o Agô, desculpa, ou seja: "Desculpa irmão, mas acho que são maus entendidos, o que você acha de conversarmos com ele".

- Um filho vem falar mau do zelador: "Irmão, o pai ou a mãe, tem muitas responsabilidades, e eles ainda tem os problemas pessoais, depois com tempo, conversa direitinho com o pai, você já pensou no que ele te fez de bom?!"

Essas são algumas atitudes que mudam tudo, podemos ver, que se ver no lugar do outro, tentar entender pelo outro ponto de vista, é imprescindível, e com isso a amizade só ficará melhor. Comece essas ações dentro da casa de santo, e logo você estará agindo assim na sua vida pessoal, e verá o quanto sua vida pode mudar, fofocas, confusões só atraem coisas negativas, e acaba virando um ciclo vicioso.

A Iakekerê da casa, tem que ser um exemplo de amizade, estando dentro do candomblé sem falar nada de mal, sempre com sorriso singelo e cativante. A Iakekerê, sabe como ninguém conquistar uma amizade, sendo o seu ponto principal, ser uma boa ouvinte, e saber apaziguar as coisas, o seu segredo: O que eu vejo aqui fica aqui! Pra que vou ficar enxertando brigas e confusões?!.

E se você quer fazer amizade dentro da casa de candomblé, seja prestativo, bom ouvinte, preste atenção no que seu mais velho está explicando e se doe!!!