Os franceses, até pouco tempo, se acreditavam originários dos Francos, que mal se distinguiam dos Gauleses. Quem eram os Francos? Os descendentes dos troianos que escaparam do desastre que se abatera sobre sua cidade...
Quando, no século das Luzes, um historiador intrépido ousou revelar que os Francos eram Teutônicos que haviam subjulgado a Gália, o clamor foi geral. Foi preciso esperar mais um século para que as brumas do passado, atulhado em teorias fantásticas e contraditórias, fossem varridas por um sábio, Fustel de Coulanges, que se apoiava em informações verificáveis.
Hoje sabe-se que o primeiro esboço da França foi a Gália independente da civilização céltica. Mas, muitas vezes, nada mais se sabe além disso e mal se suspeita que a Gália foi senão um aspecto no tempo e no espaço de um conjunto mais vasto: a Terra Céltica. Realmente Celtas e Gauleses eram a encarnação de uma mesma realidade à qual os Romanos haviam dado o nome de Gallia. Da civilização Celta, que foi de uma originalidade única, mesmo em seu tempo, e cujo estranho encanto exerce ainda sua fascinação sobre inúmeros espíritos, pouco se retém além da imagem convencional do druida de brancas vestes colhendo o agárico sobre um carvalho com uma foice de ouro.
A Irlanda dos seis primeiros séculos da era cristã nos ensina muito sobre a civilização dos Celtas em seu conjunto e notadamente sobre a Gália antes de Cristo. Ela foi a lendária terra Céltica imobilizada no tempo, posta em sua insularidade ao abrigo das influências exteriores. Nos séculos seguintes ela mudou na superfície mas conservou um fundo imutável, de que somente fez exceção a política inglesa de extermínio, a partir de Cromwell.
"Repete-se que não temos sobre as crenças da Terra Céltica pagã senão documentos de segunda mão. É um erro. Possuímos um milheiro de manuscritos irlandeses que exprimem essas crenças através da literatura, pois quase nada neles é cristão." diz Georges Dottin.
Penetrar o segredo do celticismo é penetrar a alma das antigas civilizações tradicionais, das quais o homem moderno, que não vê senão objetos, perdeu a compreensão.
Certas concepções cristãs que vigoram entre nós são estranhas à tradição: deus pessoal; leis morais com sanções no "além"; ordem natural desejada por um deus único; fé num dogma; noção de culpabilidade atávica... Além disso, a civilização Céltica, no interior da esfera indo-européia, se destaca por seu arcaísmo. Não é uma civilização à qual falta uma noção de estado - é uma civilização que, como os Germanos, a exclui. Muitos dos traços que a distinguem a vinculam com as mais priscas eras, como a caça, a aliança pelo sangue, os parentescos clânicos, o sistema do dom ou potlach, que é algo como a renúncia heróica ao direito de propriedade.
As únicas referências que esclarecem os temas irlandeses e bretões são as sagradas escrituras hindus. A forma das duas expressões é a mesma, a de uma tradição de origem única: textos em prosa deixados à livre inspiração do narrador e trechos em verso intercalados, os diálogos , transmitidos e aprendidos de cor.
De onde vêm os Celtas?
Segundo Timageno, os druidas ensinavam que os Celtas eram em parte indígenas, e que os não o eram provinham ou de ilhas longínquas, ou de regiões situadas a leste do Reno. A arqueologia concorda com esta origem geográfica, entre o Reno e o Danúbio. Eles se constituíram lá como povo distinto durante a primeira idade do ferro.
O ponto de vista céltico é bem nítido. Os Celtas eram "filhos da noite", nem mais nem menos do que o sol que dela emerge (notar a origem da roda do ano da Wicca). Sua filosofia fundamental era a do Eterno Retorno, que vê a vida brotar da morte, como do inverno a primavera.
Efetivamente, entre 800 e 500 a.C., o povo que habita a região do centro europeu, onde foi descoberta a civilização dita Hallstatt é incontestavelmente celta. Não existe nenhuma solução de continuidade entre a primeira civilização do ferro e a segunda, a partir do ano 500, dita de Tène. Ora, os habitantes de Tène são Celtas. As inscrições que eles deixaram, o testemunho de quantos os frenqüentaram fazem fé.
Esse novo povo, que se tinha formado pouco a pouco na Europa central desde a idade do bronze, torna-se a fonte de migrações de um dinamismo irresistível, que vão em poucos séculos mudar completamente a face da Europa, do Atlântico ao mar Negro.