A terceira revelação
As duas primeiras revelações só podiam resultar de um ensino direto; como os homens não estivessem ainda bastante adiantados a fim de concorrerem para a sua elaboração, elas tinham que ser impostas pela fé, sob a autoridade da palavra do Mestre.
Contudo, notam-se entre as duas bem sensível diferença, devida ao
progresso dos costumes e das ideias, se bem que feitas ao mesmo povo e no mesmo meio, mas com dezoito séculos de intervalo. A doutrina de Moisés é absoluta, despótica; não admite discussão e se impõe ao povo pela força.
A de Jesus é essencialmente conselheira; é livremente aceita e só se impõe pela persuasão; foi controvertida desde o tempo do seu fundador, que não desdenhava de discutir com os seus adversários.
A terceira revelação, vinda numa época de emancipação e madureza intelectual, em que a inteligência, já desenvolvida, não se resigna a representar papel passivo; em que o homem nada aceita às cegas, mas quer ver aonde o conduzem, quer saber o porquê e o como de cada coisa — tinha ela que ser ao mesmo tempo o produto de um ensino e o fruto do trabalho, da pesquisa e do livre-exame. Os Espíritos não ensinam senão justamente o que é mister para guiar o homem no caminho da verdade, mas
abstêm-se de revelar o que ele homem pode descobrir por si mesmo, deixando-lhe o cuidado de discutir, verificar e submeter tudo ao cadinho da razão, deixando mesmo, muitas vezes, que adquira experiência à sua custa. Fornecem-lhe o princípio, os materiais; cabe ao homem aproveitá-lo e pô-los em prática.
Tendo sido os elementos da revelação espírita ministrados simultaneamente em muitos pontos, a homens de todas as condições sociais e de diversos graus de instrução, é claro que as observações não podiam ser feitas em toda parte com o mesmo resultado; que as consequências a tirar, a dedução das leis que regem esta ordem de fenômenos, em suma, a conclusão sobre que haviam de firmar-se as ideias não podiam sair senão do conjunto e da correlação dos fatos. Ora, cada centro isolado, circunscrito dentro de um círculo restrito, não vendo as mais das vezes senão uma ordem particular de fatos, não raro contraditórios na aparência, geralmente provindos de uma mesma categoria de Espíritos e, ao demais, embaraçados por influências locais e pelo espírito de partido, se achava na impossibilidade material de abranger tudo o que ocorre e, por isso mesmo, incapaz de conjugar as observações isoladas a um princípio comum. Apreciando cada qual os fatos sob o ponto de vista dos seus conhecimentos e crenças anteriores, ou da opinião particular dos Espíritos que se manifestassem, bem cedo teriam surgido tantas teorias e sistemas, quantos fossem os centros, todos incompletos por falta de elementos de comparação e exame. Numa palavra, cada qual se teria imobilizado na sua revelação parcial, julgando possuir toda a verdade, ignorando que em cem outros lugares se obtinha mais ou melhor.
Além disso, convém notar que em parte alguma o ensino espírita foi dado integralmente; ele diz respeito a tão grande número de observações, a assuntos tão diferentes, exigindo conhecimentos e aptidões mediúnicas especiais, que impossível era acharem-se reunidas num mesmo ponto todas as condições necessárias. Tendo o ensino que ser coletivo e não individual, os Espíritos dividiram o trabalho, disseminando os assuntos de
estudo e observação como, em algumas fábricas, a confecção de cada parte de um mesmo objeto é repartida por diversos operários.
Extraído do Livro A Gênese Segundo o Espíritismo
Capítulo I - Caráter da Revelação Espírita
ítens 49 a 52
Allan Kardec