quinta-feira, 16 de setembro de 2021

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

 OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES


Pode ser uma imagem de 3 pessoasAs biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.

Bezerra casou-se com Maria Cândida de Lacerda Prego[1] na Igreja Matriz de São Cristóvão, no dia 6 de novembro de 1858. Maria Cândida era natural de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, tendo nascido no ano de 1844 ou 1845[2]. Era filha de Francisco Gomes Alves Prego e Maria Cândida de Lacerda Machado. Ainda na década de 1840 ficou órfã de pai. Sua mãe contraiu segundas núpcias com Mariano José Machado, que se tornaria um segundo pai, dando-lhe novos irmãos.



Quando casou, Maria Cândida tinha apenas 14 anos, idade muito comum naquele contexto para as moças contraírem matrimônio. Ela deu a Bezerra dois filhos. O primogênito, um garotinho de nome Adolfo, nascido em 1º de janeiro de 1860, e o segundo, Antônio, nascido em 24 janeiro de 1862. No entanto, Um ano após o nascimento do segundo filho, Maria Cândida desencarnou prematuramente, no dia 24 de março de 1863, com apenas 19 anos, em decorrência de uma febre tifóide. Bezerra experimentou, até então, a prova mais dolorosa de sua existência.

Viúvo com dois filhos pequenos, um de três e o outro com apenas um ano de idade, viveu dias difíceis, sendo amparado pelo carinho dos familiares e dos amigos mais próximos. Porém, em 21 de janeiro de 1865, contraiu segundas núpcias com Cândida Augusta de Lacerda Machado[3], irmã materna da primeira esposa. Cândida Augusta, carinhosamente apelidada pelos familiares de Dodoca, filha de Mariano José Machado e Maria Cândida de Lacerda Machado, nasceu em 9 de setembro de 1850, no Rio de Janeiro, e desencarnaria na mesma cidade, aos 58 anos, em 20 de março de 1909[4].

Dodoca assumiu os sobrinhos Adolfo e Antônio como seus filhos. De sua união com Bezerra de Menezes seriam gerados mais dez filhos. Ao que tudo indica, o menino Adolfo desencarnou ainda na década de 1860. Na fotografia que ilustra este artigo, [5] Bezerra aparece com os filhos Antônio e Maria, primogênita do segundo matrimônio. Esta fotografia fez com que alguns biógrafos se equivocassem acreditando que seriam os dois filhos do primeiro casamento. Curiosamente, como veremos a seguir, Antônio e Maria desencarnariam no mesmo ano.

Os filhos de Bezerra e Cândida Augusta foram, pela ordem de nascimento, os seguintes: Maria Cândida (1866-1887), Ernestina (1867-1950), Carolina (1870-1892), Octávio (1873-1947), Christiana (1880-1889), José Rodrigues (1881-?), Francisco da Cruz (1884-1961), Hilda (1886-1914), Maria da Conceição (1891-1912) e Consuelo (1895-1898).

O saudoso confrade Ramiro Gama ( 1898-1981), em seu popularíssimo trabalho “ Lindos Casos de Bezerra de Menezes”,[6] destaca, na introdução, uma entrevista que fez, em 9 de agosto de 1962, com Fausta Bezerra da Silva, sobrinha-neta do Médico dos Pobres. Ela era filha de Teófilo Rufino e neta de José Joaquim, irmão de Bezerra que residia no Ceará. Fausta afirma que seu ilustre ancestral teve apenas cinco filhos: Hilda, Maria, Evangelina, Octávio, conhecido pela alcunha de “Barão” e Francisco.[7] D. Fausta conheceu o tio-avô quando adolescente o que nos faz crer que ela, por um lapso da memória, não mencionou os nomes dos outros sete filhos. Ademais, ela se equivoca, também, em relação ao nome de Evangelina. Bezerra não teve uma filha com esse nome. Acreditamos que D. Fausta confundiu esse nome com o de Ernestina. No “Título de Herdeiros e Declaração do dia do falecimento”, documento constante do inventário de Bezerra de Menezes, do ano de 1900, há registro de que ao desencarnar, no dia 11 de abril daquele ano, Bezerra deixou apenas os seguintes herdeiros: Ernestina, Octávio, José Rodrigues, Francisco da Cruz (de dezesseis anos), Hilda ( de quatorze) e Maria da Conceição ( com apenas nove anos).

Ao longo de sua trajetória existencial o bondoso médico cearense passou por provas acerbas. Além da companheira, desencarnada aos 19 anos, assistiu ao desenlace de cinco filhos. O menino Adolfo foi o primeiro a desencarnar, ainda na década de 1860. Mas foi em 1887 que Bezerra viu partir, num intervalo de quatro meses, seus filhos Antonio e Maria Cândida, ele aos 25 e ela com 22 anos de idade[8]. Antônio já havia, anteriormente, mobilizado a atenção e os cuidados do pai tendo passado por graves problemas espirituais. Mais tarde, Bezerra descreveria o drama do filho, estudante de medicina, em seu livro “Loucura sob um Novo Prisma”. Como se não bastasse essa dor descomunal, 18 meses após o trespasse da filha Maria, Bezerra, espírita declaradamente desde 1886, veria partir no dia 12 de abril de 1889, com apenas 9 aninhos incompletos, a menina Christiana[9]. Em 4 de fevereiro de 1892, foi a vez de Carolina, com 22 anos incompletos, em decorrência de problemas pulmonares. Por fim, os sofrimentos de Bezerra e Dodoca terminariam em 22 de junho de 1898, quando viram partir, em face de problemas cardíacos, a caçulinha Consuelo que regressou ao Mundo Espiritual antes de completar três anos de idade. “Reformador” de 1º de agosto de 1898, noticiando mais esse drama de Bezerra, descreve sua resignação comovedora e seu admirável exemplo de fé:

(...)o nosso querido chefe Dr.Bezerra de Menezes, aquele cujo afeto se gerara à tenra criatura, viu-a partir (...) mas ficou de pé, resignado e humilde, nessa atitude de crente que sabe, em qualquer caso, submeter-se aos decretos divinos.

Vimo-lo nesta tarde, cuja recordação não se apagará jamais da nossa memória. O féretro saía no meio dos soluços com que a fragilidade feminil dos entes que ficavam pagava o seu tributo à dor que os envolvia. À porta, as senhoras em lágrimas, formavam um grupo enternecido e no meio dele se destacava, como um floco de neve, a cabeça branca do velhinho, à semelhança dos antigos patriarcas no meio de sua tribo afetuosa. E, ao se recolher tão augusta serenidade, estampada no semblante, era tão sincera, tão verdadeira aquela resignação à dor que lhe tumultuava no íntimo que nos sentimos presa da mais profunda e irreprimível emoção.

Lágrimas de enternecimento borbulharam dos nossos olhos, diante daquele exemplo vivo do poder da fé. (...) Abençoada a doutrina que assim produz tão santos frutos e é capaz de lançar tão fundas raízes no coração dos seus apóstolos! Porque só uma confiança absoluta no nosso destino futuro, só a certeza profunda na imortalidade da alma, tal como no-la ensina a nova revelação, podem gerar aquela resignação austera e verdadeira.(...)

Foi graças a esse exemplo de fé do venerando apóstolo da Terceira Revelação no enfrentamento de tão dramáticas vicissitudes existenciais que, ao contrário talvez do que muitos pensem, ele conseguiu tocar o coração dos seus familiares, fazendo de alguns deles adeptos do Espiritismo. Dodoca, a segunda companheira, era espírita e médium. Seu filho Antônio foi submetido a um tratamento desobsessivo e era chamado de confrade pelos companheiros da Federação Espírita Brasileira. Um cunhado, Mariano José Machado Filho, tornou-se baluarte na divulgação Espírita. Dois sobrinhos, Teófilo Rufino Bezerra de Menezes e João Batista de Maia Lacerda, seguiram, igualmente, os passos do velho patriarca daquele clã, tendo o segundo deles ocupado cargo na direção da FEB.