quarta-feira, 1 de setembro de 2021

EMMANUEL, VIA CHICO, RESPONDE:

 EMMANUEL, VIA CHICO, RESPONDE:


Pode ser uma imagem em preto e branco de 1 pessoa e casacos e jaquetasNas poucas vezes em que concedeu entrevista, Chico Xavier sempre surpreendeu. Quer pela leveza e bom humor com que respondia às perguntas dos jornalistas quer pelo conteúdo de sua fala, marcado pela vanguarda no pensamento em relação a temas polêmicos, como pode ser conferido em sua participação no programa Pinga Fogo, exibido pela extinta TV Tupi no comecinho da década de 70 do século passado e que está disponível no You Tube.

Mas será que sua linha de pensamento se mantém atual ainda hoje? Ou caiu vítima de anacronismos típicos de uma época específica? Dada a impossibilidade de uma entrevista pessoal com o médium, O POVO* debruçou-se sobre sua obra para buscar respostas a questões ligadas a sexualidade, um dos assuntos que mais mudou de abordagem ao longo dos últimos anos. O resultado você confere no texto que segue, que com a devida licença poética, pretende-se uma entrevista. Atípica, mas entrevista.

Nela, Chico Xavier defende o divórcio, reconhece uniões amorosas não registradas em cartório, condena veemente o aborto, cobra responsabilidade nas relações sexuais e trata da homossexualidade com um discurso inclusivo raro ainda hoje, 40 anos depois.

O POVO – Como a Doutrina Espírita avalia a importância da sexualidade na vida do ser humano?

Chico Xavier – A energia sexual, como recurso da lei de atração, na perpetuidade do universo, é inerente à própria vida, gerando cargas magnéticas em todos os seres, à face das potencialidades criativas de que se reveste. Nos seres primitivos, situados nos primeiros degraus da emoção e do raciocínio, e, ainda em todas as criaturas que se demoram voluntariamente no nível dos brutos, a descarga de semelhante energia se opera inconsideravelmente. Isso, porém, lhes custa resultados angustiosos a lhes lastrearem longo tempo em existências menos felizes, nas quais a vida, muito a pouco e pouco, ensina a cada um que ninguém abusa de alguém sem carrear prejuízo a si mesmo.

O POVO – A energia sexual, então, teria um aspecto negativo, estaria ligada a estágios primitivos?

Chico Xavier – À medida que a individualidade evolui passa a compreender que a energia sexual envolve o impositivo do discernimento e responsabilidade em sua aplicação, e que, por isso mesmo, deve estar controlada por valores morais que lhe garantam o emprego digno, seja na criação de formas físicas, asseguradora da família, ou na criação de obras beneméritas da sensibilidade e da cultura para a reprodução e extensão de progresso e da experiência, da beleza e do amor, na evolução e burilamento da vida no planeta. Em nenhum caso, ser-nos-á lícito subestimar a importância da energia sexual que, na essência, verte da Criação Divina para a constituição e sustentação de todas as criaturas. Com ela e por ela é que todas as civilizações da Terra se levantaram. Entendendo-se, porém, que criatura alguma, no plano da razão, se utilizará dela, nas relações com outra criatura, sem consequências felizes ou infelizes, construtivas ou destrutivas, conforme a orientação que se lhe dê.

O POVO – O senhor poderia nos detalhar essas consequências a que se refere?

Chico Xavier – Toda vez que determinada pessoa convida outra à comunhão sexual ou aceita de alguém um apelo nesse sentido, em bases de afinidade e confiança, estabelece-se entre ambas um circuito de forças, pelo qual a dupla se alimenta psiquicamente de energias espirituais, em regime de reciprocidade. Quando um dos parceiros foge ao compromisso assumido, sem justa razão, lesa o outro na sustentação do equilíbrio emotivo, seja qual for o campo de circunstâncias em que esse compromisso venha a ser efetuado. Criada a ruptura no sistema de permuta das cargas magnéticas para a alma, o parceiro prejudicado, se não dispõe de conhecimentos superiores na autodefensiva, entra em pânico, sem que lhe possa prever o descontrole que, muitas vezes, raia na deliquência. Tais resultados da imprudência e da invigilância repercutem no agressor, que partilhará das consequências desencadeadas por ele próprio, debilitando-se-lhe ao caminho a sementeira partilhada de conflitos e frustrações que carreará para o futuro. Daí procede a clara certeza que não escaparemos das equações infelizes dos compromissos de ordem sentimental, injustamente menosprezados, que resgataremos em tempo hábil, parcela a parcela, pela contabilidade dos princípios de causa e efeito.

O POVO – A Doutrina Espírita condena o divórcio?

Chico Xavier – Partindo do princípio de que não existem uniões conjugais ao acaso, o divórcio, a rigor, não deve ser facilitado entre as criaturas. É aí, nos laços matrimoniais definidos nas leis do mundo, que se operam burilamentos e reconciliações endereçados à precisa sublimação da alma. Ocorre, entretanto, que a Sabedoria Divina jamais institui princípios de violência, e o Espírito, conquanto em muitas situações agrave os próprios débitos, dispõe da faculdade de interromper, recusar, modificar, discutir ou adiar, transitoriamente, o desempenho dos compromissos que abraça.

O POVO – O senhor poderia explicar melhor?

Chico Xavier – Em muitos lances da experiência, é a própria individualidade, na vida do Espírito, antes da reencarnação, que assinala a si mesma o casamento difícil que faceará na estância física, chamando a si o parceiro ou a parceira de existências pretéritas para os ajustes que lhe pacificarão a consciência, à vista dos erros perpetrados em outras épocas. Reconduzida, porém, à ribalta terrestre e assumida a união esponsalícia que atraiu a si mesma, ei-la desencorajada à face dos empeços que se lhe desdobram à frente. Por vezes, o companheiro ou a companheira voltam ao exercício da crueldade de outro tempo, seja através do menosprezo, desrespeito, violência ou deslealdade, e o cônjuge prejudicado nem sempre encontra recursos em si para se sobrepor aos processos de dilapidação moral de que é vítima. Compelidos, muitas vezes, às últimas fronteiras da resistência, é natural que o esposo ou a esposa, relegado a sofrimento indébito, se valha do divórcio por medida extrema contra o suicídio, o homicídio ou calamidades outras que lhe complicariam ainda mais o destino. Nesses lances da experiência, surge a separação à maneira de bênção necessária e o cônjuge prejudicado encontra no tribunal da própria consciência o apoio moral da auto-aprovação para renovar o caminho que lhe diga respeito, acolhendo ou não nova companhia para a jornada humana. O divórcio, pois, baseado em razões justas, é providência humana e claramente compreensível nos processos de evolução pacífica.

O POVO – No Evangelho de Mateus, capítulo 19, versículo 6, Jesus diz: “O que Deus ajuntou não separe o homem”. Isso não estaria em discordância com o que o senhor acaba de falar?

Chico Xavier – Efetivamente, ensinou Jesus: “não separeis o que Deus ajuntou”, e não nos cabe interferir na vida de cônjuge algum, no intuito de arredá-lo da obrigação a que se confiou. Ocorre, porém, que se não nos cabe separar aqueles que as Leis de Deus reuniram para determinados fins, são eles mesmos, os amigos que se enlaçaram pelos vínculos do casamento, que desejam a separação entre si, tocando-nos unicamente a obrigação de respeitar-lhes a livre escolha sem ferir-lhes a decisão.

O POVO – Qual a sua posição em relação à prática do chamado “amor livre”?

Chico Xavier – Comenta-se a possibilidade de legalização das relações sexuais livres, como se fora justo escolher companhias para a satisfação do impulso genésico, qual se apontam iguarias ou vitaminas mais desejáveis numa hospedaria. Relações sexuais, no entanto, envolvem responsabilidade. Homem ou mulher, adquirindo parceira ou parceiro para a conjunção afetiva, não conseguirá, sem dano a si mesmo, tão somente pensar em si. Referentemente ao assunto, não se trata exclusivamente da ligação em base do matrimônio legalmente constituído. Se os parceiros da união sexual possuem deveres a observar entre si, à face de preceitos humanos, voluntariamente aceitos, no plano das chamadas ligações extralegais acham-se igualmente submetidos aos princípios das Leis Divinas que regem a Natureza.

O POVO – Outro tema polêmico é a homossexualidade. Como ela é abordada pela Doutrina Espírita?

Chico Xavier – A homossexualidade, também hoje chamada transexualidade, em alguns círculos de ciência, definindo-se, no conjunto de suas características, por tendência da criatura para a comunhão afetiva com uma outra criatura do mesmo sexo, não encontra explicação fundamental nos estudos psicológicos que tratam do assunto em bases materialistas, mas é perfeitamente compreensível à luz da reencarnação.

O POVO – E qual é a explicação espírita para a homossexualidade?

Chico Xavier – A vida espiritual pura e simples se rege por afinidades eletivas essenciais; no entanto, através de milênios e milênios, o Espírito passa por fileira imensa de reencarnações, ora em posição de feminilidade, ora em condições de masculinidade, o que sedimenta o fenômeno da bissexualidade, mais ou menos pronunciado em todas as criaturas. O homem e a mulher serão, desse modo, de maneira respectiva, acentuadamente masculino ou acentuadamente feminina, sem especificação psicológica absoluta. À face disso, a individualidade em trânsito, da experiência feminina para a masculina ou vice-versa, ao envergar o casulo físico, demonstrará fatalmente os traços da feminilidade em que terá estagiado por muitos séculos, em que pese ao corpo de formação masculina que o segregue, verificando-se análogo processo com referência à mulher nas mesmas circunstâncias. Obviamente compreensível, em vista do exposto, que o Espírito no renascimento, entre os homens, pode tomar um corpo feminino ou masculino, não apenas atendendo-se ao imperativo de encargos particulares em determinado setor de ação, como também no que concerne a obrigações regenerativas.

O POVO – Não há diferenciação, então, no tratamento que espíritas dão a héteros e homossexuais?

Chico Xavier – Observadas as tendências homossexuais dos companheiros reencarnados nessa faixa de prova ou de experiência, é forçoso se lhes dê o amparo educativo adequado, tanto quanto se administra instrução à maioria heterossexual. E para que isso se verifique em linhas de justiça e compreensão, caminha o mundo de hoje para mais alto entendimento dos problemas do amor e do sexo, porquanto, à frente da vida eterna, os erros e acertos dos irmãos de qualquer procedência, nos domínios do sexo e do amor, são analisados pelo mesmo elevado gabarito da Justiça e Misericórdia. Isso porque todos os assuntos nessa área da evolução e da vida se especificam na intimidade da consciência de cada um.

O POVO – Um dos assuntos mais discutidos hoje em dia, e que tem gerado muita controvérsia, é a legalização do aborto. Como o senhor se posiciona a respeito?

Chico Xavier – De todos os instintos sociais existentes na Terra, a família é o mais importante, do ponto de vista dos alicerces morais que regem a vida. É pela conjunção sexual entre o homem e a mulher que a Humanidade se perpetua no planeta; em virtude disso, entre pais e filhos residem os mecanismos da sobrevivência humana, quanto à forma física, na face do orbe. Fácil entender que é assim justamente que nós, os espíritos eternos, atendendo aos impositivos do progresso, nos revezamos na arena do mundo, ora envergando a posição de pais, ora desempenhando o papel de filhos, aprendendo, gradativamente, na carteira do corpo carnal, as lições profundas do amor. Com semelhantes notas, objetivamos tão só destacar a expressão calamitosa do aborto criminoso, praticado exclusivamente pela fuga ao dever.

O POVO – Como se dá essa “fuga ao dever”?

Chico Xavier – Habitualmente – nunca sempre – somos nós mesmos quem planifica a formação da família, antes do nascimento terrestre. Comumente chamamos a nós antigos companheiros de aventuras infelizes, programando-lhes a volta em nosso convívio, a prometer-lhes socorro e oportunidade, em que se lhes redifique a esperança de elevação e resgate, burilamento e melhoria. Se, porém, quando instalados na Terra, anestesiamos a consciência, expulsando-os de nossa companhia, a pretexto de resguardar o próprio conforto, não lhe podemos prever as reações negativas e, então, muitos dos associados dos erros de outras épocas convertidos no Plano Espiritual em amigos potenciais, à custa das nossas promessas de compreensão e auxílio fazem-se hoje inimigos recalcados que se nos entranham à vida íntima com tal expressão de desencanto e azedume que, a rigor, nos infundem mais sofrimento e aflição que se estivessem conosco em plena experiência física, na condição de filhos-problemas, impondo-nos trabalho e inquietação. Admitimos seja suficiente breve meditação, em torno do aborto delituoso, para reconhecermos nele um dos grandes fornecedores das moléstias de etiologia obscura e das obsessões catalogáveis na patologia da mente, ocupando vários departamentos de hospitais e prisões.

O POVO – Qual a mensagem final que o senhor deixaria para os leitores do O POVO, a respeito dessas questões relativas às diversas manifestações da sexualidade?

Chico Xavier – Companheiros da Terra, à frente de todas as complicações e problemas do sexo, abstende-vos de censura e condenação. Se alguém vos parece cair, sob enganos do sentimento, silenciai e esperai! Se alguém se vos afigura tombar em deliquência, por desvarios do coração, esperai e silenciai!... Sobretudo, compadeçamo-nos uns dos outros, porque, por enquanto, nenhum de nós consegue conhecer-se tão exatamente, a ponto de saber hoje qual o tamanho da experiência afetiva que nos aguarda amanhã. Calai vossos possíveis libelos, ante as supostas culpas alheias, porquanto nenhum de nós, por agora, é capaz de medir a parte de responsabilidade que nos compete a cada um nas irreflexões e desequilíbrios dos outros. Não dispomos de recursos para examinar as consciências alheias e cada um de nós, ante a Sabedoria Divina, é um caso particular, em matéria de amor, reclamando compreensão. À vista disso, muitos de nossos erros imaginários no mundo são caminhos certos para o bem, ao passo que muitos de nossos acertos hipotéticos são trilhas para o mal de que nos desvencilharemos um dia!... Abençoai e amai sempre. Diante de toda e qualquer desarmonia do mundo afetivo, seja com quem for e como for, colocai-vos, em pensamento, no lugar dos acusados, analisando as vossas tendências mais íntimas e, após verificardes se estais em condições de censurar alguém, escutai, no âmago da consciência, o apelo inolvidável de Cristo: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”.

As respostas foram extraídas do livro Vida e Sexo, psicografado por Chico Xavier pelo espírito de Emmanuel, em 5 de junho de 1970.
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(*) Jornal O POVO,de Fortaleza, no centenário de nascimento de Chico Xavier.
Por Amilcar Sobreira .