Teoria dos Sonhos
Allan Kardec
É verdadeiramente estranho que um fenômeno tão vulgar quanto o dos sonhos tenha sido objeto de tanta indiferença por parte da Ciência, e que ainda estejamos a perguntar a causa dessas visões. Dizer que são produto da imaginação não é resolver a questão; é uma dessas palavras com o auxílio das quais querem explicar o que não compreendem, mas que nada explicam. Em todo caso, a imaginação é um produto do entendimento. Ora, como não se pode admitir entendimento nem imaginação na matéria bruta, é necessário crer que a alma entre nisso por algum motivo. Se os sonhos ainda são um mistério para a Ciência, é que ela se obstinou em fechar os olhos para a causa espiritual.
Quanto aos que a procuram de boa-fé, até hoje lhes faltou a única chave que poderia tê-la desvelado. Essa chave o Espiritismo acaba de dar pela lei que rege as relações do mundo corporal com o mundo espiritual. Com a ajuda dessa lei e das observações sobre as quais se apoia, ele dá dos sonhos a mais lógica explicação jamais fornecida. Ele demonstra que o sonho, o sonambulismo, o êxtase, a dupla vista, o pressentimento, a intuição do futuro, a penetração do pensamento não passam de variantes e graus de um mesmo princípio: a emancipação da alma, mais ou menos desprendida da matéria.
Entre os sonhos, uns há que têm um caráter de tal modo positivo que racionalmente não poderiam ser atribuídos a simples jogo da imaginação; tais são aqueles nos quais, ao despertar, adquire-se a prova da realidade do que se viu e em que absolutamente não se pensava. Os mais difíceis de explicar são os que nos apresentam imagens incoerentes, fantásticas, sem realidade aparente. Um estudo mais aprofundado do singular fenômeno das criações fluídicas sem dúvida por-nos-á no caminho.
Enquanto se espera, eis uma teoria que parece permitir um passo no assunto. Não a damos como absoluta, mas como fundada na lógica e podendo ser submetida a estudo. Ela nos foi dada por um dos nossos melhores médiuns, em estado de sonambulismo muito lúcido.
Podemos dividir os sonhos em três categorias caracterizadas pelo grau da lembrança que fica no estado de desprendimento no qual se acha o Espírito. São elas:
1.º - Os sonhos que são provocados pela ação da matéria e dos sentidos sobre o Espírito, isto é, aqueles em que o organismo representa um papel preponderante pela mais íntima união entre o corpo e o Espírito. A gente se lembra claramente e, por pouco desenvolvida que seja a memória, dele conserva uma impressão durável.
2.º - Os sonhos que podem ser chamados mistos. Deles participam, ao mesmo tempo, a matéria e o Espírito. O desprendimento é mais completo. A gente se recorda, ao despertar, para esquecê-lo quase instantaneamente, a menos que uma particularidade venha despertar a lembrança.
3.º - Os sonhos etéreos ou puramente espirituais. São produtos só do Espírito, que está desprendido da matéria, tanto quanto o pode estar na vida do corpo. A gente não se recorda, ou se resta uma vaga lembrança de que se sonhou, nenhuma circunstância poderia trazer à memória os incidentes do sono.
Revue Spirite, Julho, 1865.
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