A ENTIDADE
Aquele ser enigmático se disfarçava numa aparência tal que se apresentava aos espíritos daquela região de penumbras com unia personalidade fortemente magnética, irradiando uma aura que inspirava temor.
A ENTIDADEAquela era uma área singularmente negra, pois a escuridão do ambiente astral inferior, denominado trevas, era acompanhada de um frio intenso, ríspido e intolerável, suscetível de dardejar os corpos espirituais daquele enxame de seres infelizes que perambulavam pelo vale das sombras, obscurecendo ainda mais sua visão, já apoucada pelo espaço lúgubre onde viviam. E de quase tocar o âmago do espírito, o frio ou a frieza parecia ser a extensão das auras daquelas almas desterradas, que ali coexistiam.
O ser, representante de uma constelação de poder que não poderia ser ignorada, trajava beca escura, facilmente confundida com um hábito sacerdotal, cujas cores se mesclavam entre o preto e o prata, porque reluzia desmesuradamente em meio ao negrume daquela paisagem aterradora. Acima dessa veste, com extrema elegância, um manto púrpura caía-lhe sobre os ombros, a denotar um cuidado extravagante, descendo em ondulações que lhe cobriam os pés e arrastavam-se além. Era como se o tecido vinho se derramasse ao longo de suas costas e fosse tragado pelo solo sedento, ressequido após as pisadas duras de seu senhor. Ao mesmo tempo, algo indefinido parecia animar essa cauda arroxeada, como se uma brisa a acariciasse, encaracolando de forma majestosa suas dobras, na presença de um
sopro sussurrante.
E, ornando a opulenta indumentária de alguém experiente na arte do disfarce, esvoaçava ao vento, um vento infecto, gélido e contagioso, uma espécie de capa, com certeza tecida em filigranas de luz astral, coagulada por sua força mental exuberante. Especialmente leve, soberba, embora sóbria, e partida na frente, a aparência da capa era bem distinta daquela que possuíam as demais vestimentas exibidas pelo espírito. A tal peça era de um ocre escuro, quase dourado, que compunha elegantemente a figura daquele espírito, emprestando-lhe um ar de nobreza. Sob os trajes, ocultava-se seu verdadeiro feitio, sem artifícios, sem engodo, porém não percebido nem pressentido pelos seres que ali habitavam.
Por onde passava o espírito, semelhante a um fantasma advindo de regiões inferas se é que
pudesse haver um lugar mais inferior do que aquele, parecia que a escuridão rondava seus passos e se tornava ainda mais profunda, quase medonha. Gravitando em torno dele e exalando de sua presença, bruxuleava uma auréola fosca, intensamente negra e opaca, lembrando um buraco negro em tamanho reduzido, que parecia sugar toda a luz ao seu redor. Contudo, havia nela rajadas escarlates, como se estrias de um rubi brilhante adornassem discretamente aquele arranjo invulgar. Fiquei a indagar-me se aquele estranho das profundezas estaria absorvendo cada um dos tênues raios da luz astral, que se esgueirava por entre a imensidão de nuvens espessas e opressoras do ambiente extrafísico, subcrustal.
Envolvia-o urna bruma carregada, tangenciando a materialidade e ainda mais densa do que a concentração da matéria astral daquela dimensão. Aquela fuligem rodopiava em torno de seu corpo perispiritual de aparência delgada cuja elegância mostrava-se implacável, agressiva para depois se dissolver, ofuscando a visão dos desterrados. A atmosfera psíquica ao redor era percebida como uma noite negra, negra como a he-matita, o ébano, negra como um pesadelo, que era característica das regiões mais densas, vibratoriamente mais inferiores que o chamado umbral.