segunda-feira, 25 de abril de 2022

Um dos textos mais lindos que já li. Axé para nós todos! Em 1987 meu filho foi preso. Ele havia pego o carro de um Amigo emprestado, foi parado Pela policia.

 Um dos textos mais lindos que já li. Axé para nós todos!
Em 1987 meu filho foi preso.
Ele havia pego o carro de um
Amigo emprestado, foi parado
Pela policia.


Pode ser uma imagem de 1 pessoa, fogo e textoUm dos textos mais lindos que já li. Axé para nós todos!

Em 1987 meu filho foi preso.
Ele havia pego o carro de um
Amigo emprestado, foi parado
Pela policia.
Na blitz os policiais o informaram
Que ele seria levado a delegacia,
Então meu filho acabou se
Desesperando e estupidamente
Tentou fugir correndo da policia.
Eu recebi a ligação e fui
Correndo para a delegacia.
Meu filho tinha 21 anos
E estava ali acusado de
Furto de um veículo e
Resistência a prisão.
Ficou dois meses na delegacia
E eu fazendo de tudo para
tentar tirar ele de lá,
Tentei fazer o amigo falar,
Mas o amigo era um rapaz
De classe media, branco de
Olhos azuis, filho de um
Gerente de banco,
e meu filho um menino preto,
Pobre, filho de uma diarista.
Eu tentei sim provar a inocência
Mas na época era muito difícil,
Eu não tinha dinheiro
para pagar advogado e a
Defensoria pública era
péssima.
Então um dia a advogada
Da defensoria me telefonou
Avisando que meu menino
Havia sido julgado, assim do nada,
Sem ninguem avisar,
Condenado a 6 anos de reclusão
E que iria ser encaminhado
no mesmo dia para o presídio.
Eu perguntei qual seria
E ela me disse "a casa de detenção de São Paulo"
E eu perguntei onde ficava isso.
Lembro da voz da mulher mudar
No telefone, ela mesma falou
Cheia de pena
"é o Carandiru senhora, ele vai cumprir a pena lá."
Naquele momento eu senti
O peso real da situação.
Até quis que meu filho fosse
Mesmo um bandido, pois
Se fosse poderia sobreviver
dentro daquele inferno.
Mas um rapaz inocente no
Carandiru era... era o mesmo
Que uma sentença de morte.
Iam matar meu filho la dentro.
Eu estava afastada do meu Axé
Nesta época, mas voltei até lá
para pedir ajuda de meu zelador.
No dia que eu cheguei no terreiro
Ele me recebeu e entendeu a
Situação, então jogou búzios
para mim e no fim falou:

👳 — Você vai fazer doze amalás para Xango, um por dia, e então vai ter a sua resposta.

E assim eu fiz, dentro
Na minha casa eu fiz
Os amalá todos os dias
Pedindo justiça.
Eu fiz aqueles amalá
Com tanta fé que vocês
não tem idéia.
Então no último dia
Eu estava tão cansada
Que arriei o amalá
E depois fui dormir.
Naquela noite eu tive
Um sonho, sonhei que
Estava em uma festa no
Terreiro e que Xango estava
dançando seu rum.
Mas então Xango parava
E vinha andando na minha
Direção, andava gingando
Como desses meninos metidos
A malandro. Ele chegou perto
De mim e disse de forma mola
"qual foi tia?"
E então ele me mostrava o braço
onde estava tatuado um machado.
De repente a voz de Xango
Mudou e ficou grave, quase como
Um trovão e disse "diz a ele que se ajudar o inocente eu o aceito de volta."
E ai eu acordei achando o sonho
Muito esquisito porém
Sentindo no fundo do peito
Que havia sido importante.
Passaram duas semanas
e eu fui visitar meu filho
No presídio.
Passei por todas aquelas revistas
Humilhantes e entrei,
Vi meu filho ao longe
No pátio
Encostado a uma parede,
Estava cheio de hematomas
No rosto e nos braços.
Fui na direção dele mas
Acabei esbarrando em um
Homem, um sujeito parrudo
Que parecia perigoso.
Ele me olhou torto
E disse "qual foi tia?"
E então saiu andando cheio
De gingado.
De imediato meu olhos se fixaram
No braço dele, e lá estava
A tatuagem de machado.
Invés de ver meu filho,
Eu feito uma louca segui o
Homem, nem sei o que me
Passou pela cabeça, eu
Apenas corri atrás dele
e quanto ele sentou
Em uma daquelas mesas
De cimento eu sentei na frente
Dele e contei tudo, despejei
A história toda nele,
Sobre meu filho ser inocente
E sobre o sonho que eu tinha
Tido.
O homem me olhava com
Uma expressão esquisita,
Entortada os lábios,
provavelmente me achando
Completamente louca.
Mas no fim falou"
"Minha mãe era mãe de Santo sabia? Ela me iniciou pra Xango quando ainda era menino. Antes de morrer ela conseguiu vir aqui uma ultima vez e me disse que... bom, ela disse que Xango não tem filho bandido. Mas disse que se eu provasse a ele que eu ainda era bom, ele ia me aceitar de volta. Sabe tia, Nessa vida eu não tenho medo de nada, só tem uma coisa que eu tenho medo. Eu temo que no dia que eu morrer, meu pai Xango não venha me buscar. Fica tranquila tia, ninguem vai mexer com seu filho aqui dentro."
Eu chorei muito ao ouvir aquilo,
Chorei de alívio.
Esse homem se chamava
Antoninho, e me acompanhou
Até onde meu filho estava.
Quando cheguei perto do meu
Menino eu vi porque ele estava
Em pé encostado na parede.
Havia uma mancha de sangue
Na parte de trás da sua calça.
E vocês podem imaginar o
Que haviam feito com ele.
Antoninho me prometeu que
Iria dar um jeito de mudar
meu filho para o pavilhão dele,
Ele era influente la dentro
e conseguiria fazer qualquer coisa.
Na semana seguinte
Fui no dia da visita.
Encontrei meu filho limpo,
Sem novos machucado,
Ali sentado na mesa de Antoninho.
E assim foi durante quatro anos.
Antoninho não deixou nenhuma
facção aliciar meu filho, e
Ninguem jamais bateu nele novamente.
No final de 1992 meu filho
Ganhou a liberdade condicional,
E em 1993 foi de fato liberto
Por bom comportamento.
Mas eu continuei indo toda semana
Ir ver Antoninho.
Ele estava na casa dos 30 anos
Mas eu o adotei como um filho.
Fiz para ele os fios de conta
De Xango e de Oyá, que eram
Seu Orixas, levei o jumbo
Para ele até 1998, quando
Ele finalmente ganhou a liberdade.
Mas quando ele saiu
Não tinha para onde ir,
Os irmãos não queriam nada
Com ele e a casa da mãe
havia sido vendida.
Eu fui buscar ele na porta
Do Carandiru e trouxe
Para minha casa.
Montei uma beliche
no quarto do meu filho
E Antoninho passou a ser
Da nossa familia.
Arrumou trabalho em uma
Oficina mecânica e passou
A viver honestamente.
Levei ele para meu terreiro
e lá ele renovou a aliaça
Com o Orixá.
Antoninho era um homem
Grande e com cara de mal,
Mas chorou feito uma criança
no dia que meu pai chamou
Xango na cabeça dele e
Xango veio.
Era lindo, o Xango dele dançava
no salão com a panela de fogo
na mão, era... era fantástico.
Mas um dia os antigos
Parceiros de bandidagem
Encontraram a nossa casa.
Eles foram lá falar para
Antoninho voltar, precisavam
Dele para fazer algum maldade.
Mas ele recusou.
Por uns três meses esses
Homens iam até a porta de
Nossa casa e ameaçavam ele
Dizendo que na facção que faziam
parte a pessoa entra, mas
Só sai morta.
Antoninho resistiu, não
aceitou voltar de jeito nenhum.
Sexta feira, dia 21 de setembro
de 2001, era oito horas da noite
Quando ouvi o som dos tiros.
Sai para ver o que era.
Antoninho estava caído
na portão de casa, ainda com
A chave na mão.
Alguém em um carro
Havia disparado três vezes
Nas costas dele.
Chamei um vizinho
E rapidamente levamos ele
Para o hospital do Cachoeirinha
E lá os médicos fizeram
Todo o possível mas
O estado era crítico.
Então me deixaram entrar
no quarto, pois eu aleguei
Que Antoninho era meu filho
E eles me deram o direito
de ve-lo.
Ele estava lá, pálido,
E pediu para que eu tirasse
A mascara de oxigénio de seu
Rosto pois ele queria falar.
Ele me agradeceu por tudo,
E eu o agradeci muito de volta.
Era uma despedida, nos dois
Sabíamos que ele não ia sair
Daquele leito.
Então ele de repente sorriu,
Abriu um sorriso largo, tão
largo que mostrou todos os
Dentes.
Apertou a minha mão com força
E sussurrou pra mim:
"Tia... tia ele veio, ele veio me buscar..."
E eu a princípio não entendi,
Olhei em volta e não havia ninguém.
Mas então veio o calor.
Eu senti como se do outro lado da
Cama houvesse uma fogueira
Acesa, emanou um calor
Tão intenso que senti a pele
do corpo arder.
Eu não vi ninguém,
Mas eu sabia que havia
Um Orixá naquele quarto
Junto conosco.
Então abaixei a minha
Cabeça, encostei a testa
Na mão de Antoninho e cantei
Baixinho a cantiga que nós
Entoamos em agradecimento ao Rei.

"A w'adupé o, Obá dodê, adupé o, Obá dodê..."

E assim a mão de Antoninho
Que segurava a minha com
Força, aos poucos afrouxou,
E então a mão esfriou.
E Antoninho se foi.
E eu ali diante do corpo
daquele homem prometi
A Xango que ele não iria
Partir desse mundo como
Um bandido.
Com o pouco recurso que tinha
E com a ajuda de meu pai
Nós fizemos o Axexê,
Tiramos o caixão pela janela
Do terreiro e tudo mais.
Hoje eu sou uma mulher
muito velha, ja aposentada.
Meu filho se casou e eu
Agora tenho até netos.
Tudos graças a Xango,
Tudo graças a Antoninho.
.
Texto e foto Autor Desconhecido